terça-feira, 26 de abril de 2011

Vasto léxico de olho

O olho foi seco e viu de um tudo pela estrada. 
   Observou a paisagem, mirou o painel, tomou nota do clima e tempo; fitou de soslaio o espelho, assistiu as pessoas que cruzou, avistou lágrimas nas pessoas mas desconsiderou qualquer maior envolvimento. E como um ininterrupto operário-máquina prosseguiu, desprovido de descanso, alternando piscadelas e vistas grossas. Embaçou-se e foi dormir. Perdia sempre sua utilidade na falta de luz, perdia sempre para luz na utilidade.
   Descrevendo sempre por completo cada quadro da sequência, atualizava instante a instante o perfil de objetos e seus meios-tons, a textura e temperatura. Não escapando nem tristeza de palhaço ou felicidade de poeta.  Como fosse laser de três dimensões, ao apontar para minha volta recobriu as reentrâncias com presença de gente. E como um filme à meia-luz, era delicado suficiente para nunca exagerar, era exato no relato. Dependendo apenas de si o erro não teria margem.
   Despossuía zoom, porém detinha definição e realce poderosos, tão, que distinguiu a nostalgia do romântico. A tela onde desenhava seus recortes e colagens era o dia-a-dia; filtrava-o de acordo com as condições de luz: claro, pretenção e escuro, tendência. Foi pré-análise de muitos beijos, e goteira de tantos outros adeus. E como foi de se esperar representou obras magníficas, que, talvez se fosse arquivo, as perpetuaria, pois não sendo, foi efêmero.
   Inibiu-se diante às cores sólidas e também as ruídas demais. Isso, terrível que era, era como microscópio para achar planeta, subjugamento de seu potencial. Só podia ver inverso, e por isso, vez ou outra, eu distraía-me. Não adiantou colírio, lentes ou esfregada: quando cegou, cegou. Assim, nem retina, íris, córnea; pupila, cristalino e mácula foram tão findados em toda uma vida.
   Não importou a lente convergente, multifocal ou progressiva, foi clara a divergência entre fitar e enxergar.
   E também não importou mudar o foco para perto ou para longe, tornaria todas as vezes ao panorama. 

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O sufoco

Apelo ao meu pulmão para que berre o maior pedido de socorro. Suplico ao silêncio que me dê forças suficientes para chegar ao próximo grito. Imploro diariamente, não que me ouçam, mas que haja outra voz. E há, sinto a vibração chegando. Posso sentir aqui das paredes de onde me aprisionam; também da lama que me prende os tornozelos; sinto que há alguém sufocado.
Que meus carcereiros não me repreendam ainda. Meus pedidos serão apenas intervalos entre as acomodações do cotidiano: serão espaçados instantes de liberdade. Sem mais implicações na nossa engenhosa estrutura de relacionamento humano. Apesar de querer estar enganado, não vejo porque dos conservadores temerem. Cuidam muito bem do cativeiro, sem que ocorra uma ruptura sequer.
Anda coração, chora! Soluça devagar em meio as suas lágrimas, mas me conta seu desespero, me narra sua tragédia, me explica a força que têm os seus medos. Intera-me da sua necessidade de fugir daqui, e, então, iremos juntos ao que é verdadeiro.
Fico em dúvida, há outra voz ou só ouço ecos de mim? Tem de haver, pois o que digo é puro. Tem de ser alguém lançando suplícios ao vento, pois se não, porque tenho os braços prontos para agarrá-los; e respondê-los. Preciso que haja alguém vivo aqui dentro e que me ajude a pedir resgate desse domínio sórdido. 
É preciso haver no mínimo uma outra garganta. Pois já não tenho força para chamar. Minha energia se deteriora ao ver a politização do sentimento, ao ver a complacência com que assistem ao horror, e a rebeldia, tão aclamada outrora, servindo-se de jantar ao predador.
É preciso, eu preciso

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O sol, a praia, deixou só

O vento bateu foi para gente se secar!

As aves que voam só cumprem seu papel
Cabelo, chinelo e o protetor solar
O amor que sinto, só não faz falta para quem tem
Solidão é nossa amiga 
bateu no peito e agora fica

A onda desmancha areia e traz anzol
Penteia e calça para não se queimar
Verão, bem-vindo à tristeza de minha inspiração
Mas faça um batuque na mesa
que eu não esqueço a beleza
de compor um simples samba tropical

Podendo eu voltar no tempo
Careca, descalço e negão
Um naufrágio já é audiência
Pescador que perdeu a licença
assiste passivo a televisão