quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

    Escrito em 13/02/2012 e publicado agora.    

 Nunca escrevera. Não tinha inspiração, dizia. Nem para os relatórios, que eram todos adiados. Nada redigido sequer à empregada. Dos poucos amigos, que o viam depois do período de reclusão, sobraram dois. Um era o apresentador da TV. E o pombo. À época do escrito, abril, não recebia ninguém senão o pombo, logo, contabilizava-se apenas um. Mais tarde e o pombo morreu, assim como escrevera pela primeira vez mais cedo naquele dia. 


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TEMPO                   O sisudo semblante ia da loja de ração ao parque, do banco na sombra, pela rua ensolarada, ao quarto outra vez dormir. Assim dois anos parados, dois anos em que descobriu a memória, tão clara, dois anos viveu aposentado para encontrar algo de fundamental. Foi preciso não fazer nada para entender como funcionava a rotina, o marasmo, o comum, o diário que se torna tudo. Esteve trancado em casa por quanto tempo o pediu sua disposição, por meses necessários para desvendar a literatura, por algum tempo importante então. Estocou alimentos suficientes para durar e para o pombo visitá-lo trazendo notícias. Por quase toda vida vagou, contudo, vagar deu-lhe pernas longas para pular todo o pré-requisito da escrita. E eliminou vidas de leitura das façanhas humanas simplesmente empunhando o lápis. Nesse momento estava pronto.

FAÇANHA                Era pelas tardes frescas do bairro, a chuva do dia anterior não deixava rastros, nem nas folhas encobertas, mesmo assim o sol não aquecia. Voltado ao caderninho vermelho escreveu. Seu lampejo vanguardista resultou na obra máxima e única de sua vida, a epopeia futurista que também, e principalmente, era um ensaio social. De nome simples inspirado na própria história, mas de recheio pomposo até quando foi possível pelas mãos doídas. Letras pequenas espremidas pelos cantos, frente e verso, todas as páginas e sem rasura alguma. Repousou sobre a mesa o livro, as mãos e antebraços, um pouco do cansaço. Sob a mesa deixou os pés esticados, as sandálias vazias e as mãos sobre os joelhos. Sempre soube que compreendia tudo que ninguém imaginava, sempre coube em seu espírito a enorme certeza de um dia concretizar a sapiência. Depois do feito desapareceu a sua inteira harmonia e denovo sentia-se vagar.
OBRA                       Relato do que aconteceria. Teses que se provavam apenas ao se ler. Resumos filosóficos de escolas arbitrárias. Gêneros fundidos, funções embaralhadas; era o épico-lirismo informante, subjetivo e convincente. Qualquer página, excerto, parágrafo resumia a obra inteira. A obra inteira resumia o resto da história do mundo: tudo escrito era falso porque no momento de gravá-la no papel nada já havia ocorrido, entretanto, a obra só tomava sentido quando as pessoas iam tomando consciência da rotina, do marasmo, do comum e da obra. E o inacreditável, para quem conheceu a obra, não foi o não primeiro entendimento, mas que tudo logo se fazia claro. Quem chegou de carro onde estava, se lê-se "carro não existe", voltava correndo para dar tempo de chegar. Assim, a obra só adiquiria sentido quando lida, logo, não havia modo dela equivocar-se.

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     Aquilo que no começo foi mentira, fez-se logo verdadeiro. Aquele mundo confundiu-se com a obra porque a obra fez-se para substituir o mundo. Daquele autor ninguém mais sabe porque ele não assinou ao fim.
Escrito em 07/09/2013 - publicado agora

Você tá aí, não está? Eu sei que sim
anotando tudo que faço
como ando e a que horas passo
anota tudo sobre mim

É que talvez não saiba querido poeta
mas já estive em seu lugar
até que me impuseram uma meta
e hoje faço algo que querem sempre pra já

Muito já me perdi na tentativa de capturar
entender ou conflitar as sutilezas de mim
quando não o era
quer dizer quando apenas um dia o seria
e como poeta escritor e fingidor me sentia
observando a terra
fazia meu escrito muito mais você do que a mim

Mas esse tal do horário que me surge na testa
a cada rua que atravesso são duas que ele encontra
queria poder voltar a conta
e sentar como faz tu agora no fim do dia com a hora que te resta
escrever sobre eu sobre mim
sobre um homem que já se sente homem
porque não tem mais tempo de amar a nada e se engana com tudo

É de mim que zomba, não é? De quem escreve a rir?
como se você fosse maior
e eu menor ou mais desengonçado
sim sim não diga que não
o passo apertado me pertence mas não é forçado
tente ver um pouco além do escárnio pronto em si só
no homem que jura querer sorrir

Pense assim, um pouco mais, veja bem, mas veja

domingo, 13 de abril de 2014

Maquenecer

Já fui carne e osso que pudesse dizer
perdão por toda essa tolice de poema
que pudesse rezar de joelhos aos céus
o mais íntimo e sagrado segredo encoberto
de tanto humano passei-me a sorrir
não só mais amor, como ódio também
Jamais fui homem assim como alí
naqueles tempos a que me refiro agora
e deles retiro o sopro dessa cura
a qual me melhora cada vez que provo
essa bondade de escrever amém
Sendo nessa afirmação berrante de
não mais ter a quem culpar por tal
assumo total incompetência a ser
aquilo que me chamam ainda de gente.

Hoje sou parafuso sem porca
é na solda e no aço da força e carvão
tenho roda e engate de fecho que 
aquece e expande o motor e a válvula
Me sentei ao banco uma vez e nada
na segunda também nada me houve
mais uma e enfim estive pronto a maquenecer
Encontrei combustível pra diástole e assim
energia pra sístole que se seguia
a fala troquei por este som de ferrugem
o peito por tampa e cabeça por chip
as patas e os pelos como os olhos e boca
perna papo canela e trompa assim
cada osso é quase aço e cada sangue graxa

Hoje ferro quase lata pelo fato do tempo que passa
sou inteiro feito pra contar outros como eu
conto seus dias de vida e seus destinos
obedeço e ordeno quando não recebo envio
sempre calo e consinto por meu programa
por meu aparelho e por meu sistema
Tenho pergunta nenhuma que faça melhor
ou por quem obedeça ou recorra
São tempos de constatar aqui e agora
que apesar de máquina ou sucata
do fundo da caixa que habito
já fui homem nessa vida
e vou findando dizer
é mais um ponto
que emito
me mato
e não
morro





segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Tristão e Isolda


Soa uma nota,
a cada gota que pende da corda
tensionada no quintal
ela passa a noite inteira lá,
esperando quem vier pra resgatá-la.
Mas não vieram não.
O sereno as faz
pendurarem-se todas pela corda
ameaçam queda, toda vez que lhe tocam
a gota cai e a linha vibra,
posso ouvir na barriga que já é algum som.
E é outra gota e é outra nota,
despencando do varal, que me molha
Quando pode, sem que a observem,
recolhe uma ou duas gotas que prestem
armazena em um frasco e o tampa.

A menina é quem cuida, todos os dias
das gotas que moram no varal
Faz questão de coletar uma a uma,
quando é de manhã ainda
e guarda consigo bem escondido
para que não as descubram
durante o dia as carrega aonde vá
E lá vai sempre muito bem nessa tarefa,
mesmo com esbarrões que leva
não deixa nunca seu pote virar,
hora ou outra derrama um pouco,
mas é tão pouco, não se percebe
com a roupa logo trata de enxugar.

Contudo, chega ao fim a noite
repousa vagarosamente,
em sua cama, a única que tem,
mantém-se firme,
mas num leve golpe do cansaço
é desarmada pela lembrança,
se descuida
e derrama finalmente seu pote de gotas
que dizem ser de lágrimas.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

quem meneia? o braço firme de punho apertado é forte e meneia
o esqueleto prestes a se quebrar, e a água transbordando do copo
na areia a derrapar o carro que não freia, e o foco
vejo seus olhos dizendo que sim, enquanto eu digo não

quem ressona? do peito esculpido e bruto apesar da dureza ressona
a coisa elétrica toda ela esperneia, quer prosseguir na certeza
da escassez de argumentos, da força que imprime a leveza
ouço teus lábios mostrando que sim, enquanto eu vejo não

quem condena?
o homem que reprime os impulsos, ou os freios?
o garoto apenas? a mulher imprópria já desfeita dos ombros caídos?
quem condenaria a distância, vivendo o próximo impossível
o afasto dos gostos dos corpos, a resposta
não eu nem você



domingo, 28 de abril de 2013

O galo que tentou mudar seu turno, para que não cantasse mais pela manhã

Tal galo espinafrante de um frondoso cacarejo espanta
o arredio de manhã que nasce, quando foge ao galinheiro e, quieto,
lá também não canta, assim sempre silencia o seu passar do tempo.
E o porco dorme à lama sem despertar, pois o escuro céu se agiganta
triunfante, ainda é tão gritante a luz do sol que se arrebenta
muitas horas do dia passam, o sol retorna ao fim da curva e num momento
temo nunca mais reacordar. Misterioso é o som de galo que não ouço mais.
De repente, ao raso voo de espanadas, asas violentas se acomodam
no mais claro posto da estalagem, do alto é o galo e teu encanto indiscreto
cacarejo acomodado na garganta,  há muito na espera de tornar
eis lá ele inflado, eis lá do alto meu bom galo a concentrar, é três é dois
bem quando, é geral o esbravejo, fecham-lhe o cerco talvez dúzias de animais
- é noite, galo, aqui não cantarás, parte já dai para bem longe, que não morres mais!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Razões

O homem é japonês, em todo magro corpo, transparece seu incomodo, ele treme. Um tanto depois ele caminha numa área com árvores a buscar sombras para sossegar, contudo não há jeito de consegui-lo, devido ao sol que as ilumina. Ele procura água também. Ele transporta um suporte para espadas antigas do século passado sem espadas antigas. Sua roupa semelhante as de samurais e ninjas mais que revelam sua origem, pois estando rasgadas, sugerem ainda alguma batalha com lâminas e quedas ao chão, há sangue nos panos que envolvem e formam sua trouxa na qual contém pequenos alimentos. Porém nunca foi guerreiro ancestral, essa minha história é recente, de homens incomodados buscando voltar ao lugar onde estiveram sempre. Contudo o japonês sabe enorme sua culpa, a família incapaz de perdoá-lo entristece-se diariamente por não poder também protege-lo. Animais observam estranho habitante adormecido entre folhas caídas sem produzir sons a ponto de despertá-lo. Ao seu redor agora estão uma espada, uma bacia com água daquela região, e objetos pessoais como foto, algum colar de linhas torcidas e um cantil. Quando é de manhã ele observa por bastante tempo as árvores e atira pedras com as mãos para espantar os pássaros das copas, que retornam logo, pois ali vivem. Ele perfura o corpo com a espada, morre em segundos.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Um pouco dos quandos, dos comos, dos sonhos


Quando o mundo nasceu, durante a invenção do tempo, decidiu que giraria todo dia em torno de si mesmo, na tentativa eterna de se refrescar, pois fora condenado, por cláusula carimbada, a girar também ao redor do sol, e isso o fazia xingar constantemente os deuses. Assim que, como sempre nos parece, nascia culpado pela própria e única existência – e pior, já julgado e condenado. Dentro desse mundo, que, apesar do astronauta e do horóscopo, se limita à Terra, fez nascer-se ainda a vida, como forma de planta, de bicho e depois de gente.
E esse é um texto sobre a vida no estado de gente.
As pessoas na natureza, nos abrigos, nas aldeias, nas comunidades, nas nações, nas guerras que trouxeram as armas, nas cidades e fora delas, abarco tudo isso na escrita porque hoje trato aqui do sonho humano. Do sopro inundado de certezas que é o estar, e do espirro doente das dúvidas que é o ser. É a vida que sempre nos afora o corpo, pois não nos cabe, por isso nos salta em canto, em tosse, em sexo, em família, em extinto, a vida nos vaza para fora, porque não a suportamos nem por um segundo. Não posso mais explicar.
Em algum momento da história, nós olhamos para o céu, inventamos o fogo e as coisas que matam, começamos a conversar e aos poucos fomos nos parecendo. Mas em toda a história, sem poder precisar desde quando, nós sonhamos. Muitas vezes durante a vida, inúmeras durante a noite e infinitas durante o sonho.
A vida se nos impôs. Pelos sonhos foi que optamos, assim como a terra optou por girar, mesmo quando lhe imposta o sol.


domingo, 23 de dezembro de 2012

Vida esquecida

     Os olhos desgovernados pelas paredes do quarto, pelos móveis, pelos sapatos, quase crentes da felicidade que lhe mostravam sobre a vida, o homem os esfregava seguidamente para não lacrimejarem e embaçarem a nova história que contava sua memória. Ele recém acordado sentia impossivelmente as lembranças da felicidade, porque as possuía, que as avivava, que nunca, quando vivesse aqueles tempos, poderia estar feliz, demais para ser. No entanto, seus olhos batidos tudo o que viam era ela e não outra coisa.
     Antes desse momento, ele insistia em dizer que não comprassem os amigos as comidas daquele país desconhecido, porque trariam problemas certamente. - Ao sabor!, contestavam os outros. - Ao banheiro, isso sim!, ele resistia. E resistia porque se lembrava de outras experiências, e se contava todo dia das suas lembranças, pensando viver das memórias que há tão pouco as tinha. Seus amigos seguiam saboreando, em espasmos de gula como se durassem anos, os mesmos anos em que o homem teve seus espasmos de vida, mas que agora encobertos, contidos. Sua memória aos poucos contou sua vida enquanto a matava.
     Nas memórias do homem, o eu das lembranças devorava o eu dos sentidos. Suas histórias sobre o passado destruíam suas experiências, e as ressignificava outra vez, e outra
. As suas recordações lhe pareciam mais com sua vida do que a própria. E ao passar do tempo as lembranças eram a única coisa que lhe satisfazia, e que fazia. A experiência do homem se tornou apenas lembrar, de viver, de comer de ouvir. Contar-se a história de seu passado o impedia de tê-lo vivido.      Por isso mantinha agora os olhos incrédulos de poder enxergar novamente, por alguma razão. E tateou como nunca as paredes, e admirou os móveis, e calçou seus sapatos de acordar. De repente, foi esquecendo as recordações, apagando as memórias, já não lembrava de nada. Por isso foi estando feliz, - Como nunca estive!, imaginou assim, porque não sabia mais de seu passado. 

Era o homem moderno. Estava cego.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Conversa

Os homens falam das mulheres
mulheres, das dores
crianças, das outras crianças pequenas
você, de você
e seus problemas
artistas, das cores e suéteres
cambojanos, das setas nas cabeças
jornais, de seus autores
idosos, das doenças que têm,
antigos amores
os homens mais fortes, das suas fraquezas
crianças das ruas, de comida
das dores que têm, mulheres e autores
os jornais, dos problemas da vida
as cabeças das pessoas, do que farão
as respostas, do sim e do não
os artistas de dinheiro, do dinheiro,
das pessoas da avenida, os jornais
das respostas, as escolhas
das pequenas lembranças, a vida
de idosos e amores, falamos eu e você
que me ouve, ou que me lê,
quando a conversa é interrompida.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Os cães

Um cão só late na noite escura e preta
porque ouviu outro cão, que late sempre
que outros cães latem, quando é noite
escura e preta, como o cão que só late
e anuncia o verso curto de cão
e reverencia o certo vulto do cão.

Nem mesmo sempre que estive a ouvir
valeu entender como quando vi,
por ser homem de vista e de ouvido,
e nunca de olfato ou conversa, e portanto
tranquilo para reconhecer minhas pernas,
minhas mãos e minhas mesmas costas,
nas marcas que fiz nas carnes do corpo,
as marcas que fiz das carnes no corpo.

Distante, as pessoas e os homens do almoço,
gritando seu dia, seu trabalho sob prédios,
nos falta entender dos remédios das dores
nos falta ostentar os excessos das cores.

Foi isso tudo que vi nas janelas e assentos que visitei
até hoje.
até hoje,

Os cães alardavam que eu voltava,
as moças gritavam que eu voltava,
as câmeras registravam que eu,
mãos me tocavam, choros choravam,
dentes faltavam pra rir que eu voltava,
os boatos confirmavam que eu,
os papéis escreviam, as cortinas abriam,
as cadeiras sentavam que eu voltava,
só meus olhos não criam que eu
voltava, tão outro, para casa.




domingo, 18 de novembro de 2012

Para o verso final não fui forte

   É no papel que melhor enxergo o que há por dentro e o que há por perto do meu coração. Se há algum perigo, escrevo aflito, quando há coragem, um pouco de verdade, salvem a inspiração. Hoje, especialmente, escrevo a perguntar: - Meu corpo, tem em mente vontade de voltar a amar? A resposta é demorada, perco tempo e é quase nada. O silêncio prevalece e me revela o meu sofrer, como se eu já não soubesse que, apesar de tanta prece, meu destino é sofrer.
   Ao papel é a quem venho, pois aprendi é a prosa a contradição desse mundo e poema o que brota para um coração sortudo. Ó! poema, tranquilo esboçar dos versos cadentes, puro amor e expressão, renitente é a prosa, pois não morre não, percorre o tempo até que escorre pelos fios dos cabelos da razão. Não quero a prosa pra viver, o poema é quem me hidrata, queria era poder esclarecer a falta de quem é que me mata da vontade de escrever. A cada ponto final que me nasce, sinto como se a inspiração se enforcasse e morresse da falta do ar que respiro, mas, perdido, o mesmo ar que suspiro foge como se sentisse a mesma falta de ar que eu sinto
   As linhas me imploram que eu as complete e justifique com clareza as incertezas do existir mas de todo lado me chegam motivos pra que eu não as disserte ou metrifique coisa nenhuma porvir. Por merecer, por cuidar, por poder enxergar que nem rima nem verso me encantam mais que o pensar dos poetas dos
poemas, dos muros, dos palcos
engrenagens pequenas no escuro dos fatos, luzes discretas que ofuscam a quem se lhe abram os olhos
e os papéis, ou páginas concretas. Ao lirismo dediquei a vida
a entender que a prosa é a morte
de tudo que achei que sabia

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Morrer de sonetos

Hoje sempre que me assassinam choro
como da primeira vez que morri
minha morte é doença da qual não melhoro
e mal já recordo os dias que sobrevivi

As encostas de meu corpo desmoronam
e a cada morte antecipo o arremate
à resfolga a vida me desapontam
o mártir e o próprio me xeque-mate

Mas os homens que me matam são quem amo
usam armas, usam lanças e as palavras violentas
quando se não ferem, mais a mim me aprisionam

E quando preso há alguém que sempre chamo
as lágrimas, aos prantos em calma desalenta
pois a morte e seu morrer já me contentam

sábado, 20 de outubro de 2012

Supus um dia em segredo que a vida devia estar enganada

Supus um dia em segredo que a vida devia estar enganada
que a repetição dos tempos nos traria aos desencontros
dos momentos instantâneos revividos na memória

A truculência desta ideia me assaltando povoou meu seio
fosse eu em despreparo ou fosse eu em inocência
e o pensamento-violência me teria desmatado
as raízes das certezas construídas sob a crença
de um homem na beleza dessa vida

Que será que ali entretinha minhas ilusões de não viver

enquanto erguia os corações às voltas com grilhões
e a liberdade é dádiva e representação do esvaecer

Eu ali me fabricava outra vez no remorso de existir

não morri inteiramente então porque pude ser poeta

Escravos da própria sorte
... de um amor que é imortal
... e só o homem aprendeu matar

domingo, 30 de setembro de 2012

Sangue de pouca tinta

Nas fundezas de um país
ou de um lugar que é bonito
tem lá muitos homens-pouco
que nos papel não se pinta
é sangue de pouca tinta
que não vale nem um escrito
nem seus feitos nem suas coisas
que é mato, grama, moita, é terra!
e ninguém preocupa: que não pode

Tem homem que vai embora,
novo, e nunca mais que volta
teima de esquecer da família
é sangue de pouca tinta
que não escreve memória, cê vê...
pra se alembrar só no retrato
que na cidade tem muito,
é mundão, e os escrito são grande

Eu num vejo o sertão é nunquinha
lá não vou mais que não quero
que não posso, que me esperam
é distante a viagem demais,
se um dia eu tiver filho que der pros escrito
vou dizer, mesmo que muito sinta:
- és sangue de pouca tinta


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Prosa média

     Assim, de repente, as pessoas perderam suas vontades.
     Não havia mais o som, nem a figura, a cor não existia. Jogaram as tintas todas nos rios, que se tornaram mar, e as fotos dos momentos vividos desbotaram. O movimento perdeu a razão, o gosto deixou de existir, deixaram de existir também os gestos, não tardou e a linguagem se foi. A luz foi indo-se embora junto dos escuros, levaram o tempo, o perdão e o silêncio. Das histórias se esqueceram, dos nomes se desprenderam, dos amores se fugiram. A liberdade já não era tão vistosa, era cara, era tanta, e ninguém quis, e morreu. E os sonhos dos meninos das pessoas acordaram, as rugas da velhice das pessoas se apagaram, as culpas dos pecados das pessoas, absolvição. Ninguém mais juntou versos. As cordas estavam esticadas e um homem as desafinou, alegou moralismo. Só existia no mundo as certezas, que eram muitas e enormes e as crianças as tomavam como sombra. O depois, o antes e o agora, na fusão da vida, se uniram no que disseram chamar saudade. E era tanta falta, tanto arrependimento, tanto remorso, tanta saudade de tudo que não há mais e de tudo que ainda poderia existir mais para frente, que os homens, naquele surto de quase morrer de saudade, se sentiram obrigados a criar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mais livre me sinto que morte

Há sempre quem compre alguém
há sempre quem lembre do bem
pra sempre se rompe o além

vá lembre que ainda me tem
vá tente me ser alguém
contente me volte zen

Criança perdida no mato
criança advinda do parto
vi dança esquisita no mato
na frança perdi meu sapato
herança crescida no ato 
finanças de todos os lados

Doença de cão enjoado
Convença do não Seu Geraldo
Conversa de irmão premiado
Vou nessa tão são internado
Promessa de não fazer fado
Prometa a seu tão bem amado

Pintura completa instantânea
Cultura em poeta se assanha
Mistura secreta champanha
Usura afeta a campanha
tontura cagueta a montanha
textura me aperta e arranha

Da morte me sinto mais livre
Mais livre me sinto da morte
Me sinto mais morte que livre
Mais livre me sinto que morte



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Chama, Maria, chama, chama rápido, Maria, chama que ele atende, chama logo, chama mais, chama, Maria, chama com vontade, grita, grita, Maria, anda, grita logo, grita, Maria, grita que ele atende, grita, isso, grita, Maria, grita pra fora que ele escuta, grita bem alto, grita sem medo, Maria, grita, Maria, grita, grita muito, berra então de uma vez, berra, Maria, berra, Maria, berra!

Então ele foi embora de volta pro Ceará.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Discórdia

      Eram mãos atentas apostas para reação a qualquer maior movimento. O braço entrelaça o pescoço do refém apertado, é nó na garganta e impaciência. São também apressados olhares aos lados, a cima, ao homem ameaçado, ao relógio, mas não se pode nem reparar no homem o que faz e nem nas horas. Passam cães saídos de outros becos que ali vão para saber dos ruídos que ouviam se eram lixo fresco. E na verdade eram dois homens de pés juntos fazendo força, um deles com uma faca contra o peito do outro, estagnados pelo medo de matar e de morrer. Não mais se olhavam porque um deu as costas; dois homens, se imaginando nervosos pelas mãos que sentiam tocá-los, pela força que faziam e que recebiam. Um segurava o outro por trás, impondo-lhe uma faca a vista, o outro resistia à verdade. É beco escuro e som estrondo de latão derrubado, quem seria ali se não animais fazendo barulho? Os homens que tinham nas mãos do outro a própria vida: - Te mato ou cala a boca. 
      O silêncio da cidade fugia inteiro àquela viela de sacos de lixo e o tempo passava. Tanta força depois, o homem quase morto esfalecia, ameaçava cair de tonto, num desmaio de fraqueza. Mas o tranco que levava de leve da faca contra o peito o deixava sóbrio afinal. Aquilo era cena de crime, antes do crime. Parecia que o dono da faca era o único com poder de escolha, poderia matar ou não. Era a arma que lhe dava a dúvida e a resposta. No entanto, da vitima veio o apelo, me mate. Num minuto o homem esquecia da faca, da vingança, do potencial assassinato, notou a carne que também formava o homem quase bicho, aquele acuo de gente indefeso.
      A semelhança entre a fera do homem armado e o arredio de medo daquele incapaz promoveu estranhamento nos dois. De trás, o primeiro, não mais em posição de ataque, recuava incessante numa fuga momentânea de desespero, para o vácuo impróprio, de não haver nem corpo nem gente. E o antes cansado segundo homem, agora, rompia o frescurão da noite numa chama de energias, a vida e o poder lhe concedendo a mágica-triunfo do adeus, de poder partir e remoçar-se mesmo assim.

      Tudo porque as mãos tocaram-se, antebraços esbarraram-se, ombro em peito, costas em pernas, inteiro contato e o suor perpassado de algumas roupas à face com barba. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Eram sempre os mesmos homens

      Os homens sentavam-se em frente ao monumento central da praça e ocupavam as cadeiras e as mesas da calçada. Aquele café antigo, da Rua dos Comuns, não era popular senão pelos ferroviários exaustos que se amontoavam ali, mesmo só restando-lhes as forças de pensamento. Era que eles sentiam-se pouco, e logo se faziam luxo do café que tomavam, minguado, reclamado do tamanho, mas era café, num café, na praça. E eram duas ou três horas que ficavam, que durava o lanche enrolado em panos, que bateria o relógio se o tivessem no bolso de algum paletó. Arremedo de gente, dizia o garçom que ouvia lá de dentro de algum freguês: - arremedo!, e se sentia feliz, assim como os homens da ferrovia que precisavam estar na presença de outros para existir, para existirem, e sentiam-se felizes, todos ao mesmo instante.
      Um tal homem usando monóculo de fim de século, com lenço, ombreira, descendo a rua em direção a casa, num fim de tarde; então os homens entreolhavam-se a pensar que ele perdera o chapéu - paravam, calados, atentos, num suspense que precede o êxtase, gritavam: - Feito o amor, esquecida a cartola, corre, corre, Senhor, já é hora. E estapeavam-se a rir bem alto, movendo-se o corpo a todos os lados, esticando a cara para frente, procurando noutra gargalhada a mesma certeza do riso, da felicidade, do instante e daquele inteiro momento pleno. Era só o que tinham. - que escritorzinho eu sou -  Era tudo o que tinham! Era muito o que tinham! Era o mundo o que tinham! Era deles o mundo, não é mais, o deles morreu.

sábado, 11 de agosto de 2012

O texto gigante

Ah não!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O meu sonho é ser bandido

Mentira.
Meu sonho é ser indefinido
e poder carregar um milhão de bandeiras.
Mentira, meu sonho é ser eu mesmo
e vencer.
Mentira, meu sonho é perder para sempre.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Espelho

      Por um instante, o desfoque impossibilita o reconhecimento do que se percebe. O altruista vê-se dentro de um espelho: tudo, exceto a cópia. Vê-se egoísta, com raiva, impreciso. O espelho o reflete - nem tão simples, que o reflexo é impossível como réplica. Não se pode ser. Há um espelho, o homem e o reflexo, e nunca se poderá contabilizar menos que três, que seria errar, ignorar-se ou omitir a verdade daquele que habita o espelho.       
      O espelho repete, sim, contudo nem só contrário, como ainda a inovação, o inverossímil.
      Aqui, a direita, lá, a esquerda. Isso bastaria ao perceber humano que se abstivesse de notar o inconcluso estado das certezas, razão e provas. À mínima curiosidade deu-se a luz de supor que aqui se busca e lá se responde, como um experimento: aqui, a tese, o cerne experimental, a dúvida, equanto lá,  a comprovação, o confronto, o fruto, que por alguma confortância não só observamos como os tomamos verdade original.
      Quando há paz aqui, lá há guera, que imediatamente replicamos deste lado crédulos de consquista que será apenas desgraça. Percebem?
      Ainda o caos, como entidade regente do mundo, impalpável desordem de acontecimentos, obsevando-se em um espelho, cairia abismado, perplexo ou incrédulo da própria existência ao perceber-se sendo capturado em cada desordenamento e como dança coreografada reproduzido identicamente a sua frente.
    

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Fado D'onde Venho

Mirava distante teu corpo dançante, enxerguei sofrimento
Tão grave que querias pôr as duas mãos frias em teu próprio peito
Ninguém te detinha, quando em tua carinha, chorava sem jeito
Foi que vi que tu morrias
mas quem sabe não querias
era ouvir-me um momento


Descanse algum tanto de teu outro pranto, te encostes em mim
Findando o desejo daquele outro beijo, dá-me então tua mão
Que quero resposta, nem tão logo agora, cure teu coração

Só então que decidas,
tocar-te a vida,
pra cá, pouco assim


Há já mais que muitos dias,
que vivo a euforia de te reencontrar
Disseram-me que te viram,
em plenos carinhos à beira do mar
Mas mal sabem que d'onde venho
moças muito apaixonadas
estão no porto esperar

Mas mal sabem, d'onde venho
se me cativam em algum momento
já me torno prisioneiro

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sobre minha escrita poética


   Socorro!
   Que todos assim se iniciem, agora. é uma lei para que nos salvemos. Salvar a própria escrita do fantasma de quem a fez, e a todos salvar, que ainda não pediram ajuda. Socorro! outra vez. logo não poderei faze-lo, então que eu te ensine o caminho. Que pouco entendemos dos que querem dizer e que tanto supomos dos que calam. melhor seria calar, então. Pois não, não te desperto o que importa da minha poesia; o que te falta para ser melhor, tão pouco. Socorro! Para isso: um cão que chora, uma roupa perdida, um adeus sem resposta, um amanhecer. Isso importa mais, então, Socorro!
   Confie, tendo em si um perdão reservado a quem, desesperado, te confie também. Te salvarás, porque Socorro!, te salvarás porque confio. Poetas, garçons, engenheiros e crianças, se salvem ainda hoje, ou amanhã. mas se perdoem apesar de tudo. Quando não mais puderem escrever, por favor, que salvem. dificulta quando dependo de dizer Socorro!, então que digam ainda hoje o mesmo. Estendidas as mãos e maleáveis no ar, desenhando um contorno, pedindo perdão e é claro que o Socorro!
   Pedaços de sim que mal querem dizer o que são. o sim se esconde. Enquanto o não, não. Socorro! a quem diga o mesmo de mim, porém, melhor ainda: Pardon, pela poesia mal escrita. Caberia a alguém o direito de nascer, corromper do velado sonho de salvar alguém?
Socorro! por enquanto eu não peço, eu socorro.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Descuido

Rubros calcanhares,
juro que ainda lhes tenho em meus olhos
descalços e sozinhos, até os vejo na praia
carimbando a areia carente das nossas pegadas
mas aí já foi sonho, aquele do descanso,
e é ótimo que os possa perceber
Juro que ainda te tenho olhos


É de manhã e eu presumo que sim
que os possa rever e confirmar o que suportavam
silenciosos, só sabiam estalar de leve pelo chão
vento de janela em sussurro balançando lençol
tudo muita confusão, o sono, a claridade
algum som, calor, quando quase me escaparam,
Que os possa rever e junto o que suportavam


Foi um beijo a despedida e
a surpresa de me encantar com seus passos
ruídos rápidos de roupas se vestindo
e já nunca mais calores, não, nem carinhos
entregues esparsos como favores
à surpresa de me serem um encanto


A ordem está retida lá fora, sem acontecer
há distância enquanto quero proximidade, é meu caos
eu quero algo perto, mais perto de alguém que havia aqui
escurecem meus olhos fechados,
meu lar completamente escuro, sufocado
Que falta sinto eu que não lembro? 


Nomes perdidos na imensidão da noite
que a ambos enganou com palavras mal ditas
arrancos do amor, carícias que foram tropeços 
calor, novamente um calor de paixão
distorce as imagens que tentam e não se formam
é algo como estar numa praia sozinho
se derrubar na areia, e o sol um clarão aceso ofusca
o vento soprando um deserto, logo alí
nossas pegadas desenham meu lar
porém, apenas me restaram
na lembrança os rubros calcanhares.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sobre desculpas e perdão

Flor do monte cai suas pétalas
que de forte o vento também espalha os espinhos
e antes de saber das mortes
como em fantasia jaz
seu corpo retorcido é quase choro,
é perfume de desculpas


Homem tem razão se chora
quando o enganam e se por um instante
fica enraivecido quando o ferem
mas sábio amadurece o ódio
e como fruto nasce o seu perdão:
mão erguida que recolhe ao bolso


Árvore que devora a terra
alimenta o chão com seu fruto.

Onda esmigalha as pedras
mas se faz espuma que banha a areia.
Carvão nos suja os dedos
mas ainda aquece o corpo.
Sol que queima não tarda se põe em beleza.
Outono finda o verão mas encerra o calor.
Estrelas nos são imortais e ainda ofertam a luz.


Anestesia,
Educação,
Amor dos pais,
Cultura,
Justiça,
Beleza,


A culpa
é falar do medo
de morrer e deixar seus erros
pois a vida em cada passo seu
e em tudo que eu ainda não disse
é sobre desculpas e perdão

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Todo erro do regresso

Quando, em sombras farrapas, medrosos deixamos a guerra
no âmago de si não brio, não estima, mas restar-se inútil. No imo apenas o revés
partimos, cada um temeroso, erigindo na farda o estandarte: incapaz 
contrários da crescida flâmula que impôs a pátria na largada
e que agora tenta acalentar ignóbil o morrer frouxo de tantos.


Que lástima o silêncio, se o trote e a marcha enraivecia-nos, guerreiros
não há o remoçante hino de esbravejos incontidos, que ditavam a campanha,
mesmo assim, só em desaviso, diria alguém os desprimores da lamúria geral
se agora nasce de tal pranto um santo chorar, em canto que indulta as almas estorvas,
e é, ainda, antiga memória da vez que na partida choraram as mães.


Quem vista tiver, entocado ou por ventura, do espólio inimigo decifrará a fuga
pois homens lutavam, se por apego a causa, esperançosos a matar por paz
no entanto, um sentimento devorou o outro e assaltou-lhes a ideia da derrota
agora, não há bem no regresso, quando homem e cidade ao tempo passar se estranham
vil descompasso de homens que assimilam: saudade do lar que deixei, não tal.


Queria ter partido em prosa, feito bardos ter palavras e a culpa só do chorar
mais que dor, há buraco em tudo que pisei, cri sempre tolo na volta sem remorso 
então, em qual esmero traria eu a descoberta sã, de salvar nossos filhos do futuro?
nem segredo, ou ponto-fraco alheio, nem armas, ou profecias, ouro e prata não
descobri que a guerra é nunca orfã!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tempo é senão medida arbitrária

   Soluciono minha angústia, resolvido a escrever poemas. Na idade de rápido queimar a chama, uma euforia crescente se aproxima e me envolve, na prontidão de meu estro, busco em exaustiva ânsia versos a por nos cadernos como se busca o alimento da vida a por nas mesas. Desembainho a caneta apto a tratar da natureza, que em orvalhos sonolentos da manhã nos oferta sua primeira lágrima, apto a cuidar com as mais doces palavras as dores dos casais gentis que se amam, ou apto em meu ímpeto discursar interminavelmente o meu sentir quanto a beleza infinda da donzela amada, e para todos me sinto afeito. Mas sei bem, como o sabe quem ama, que a efusão traz consigo a tormenta do depois, que é a culpa do não se conter agora.
   Acalmo primeiro meu corpo, para então sossegar a alma. Apenas quando mansos, os sentimentos pontiagulham duas ou três palavras no papel. Não que me faltem os andamentos, as formas ou as regras para preencher as linhas, os sentidos é que me são poucos, na mente quase nada há de mutável, pois a semântica me coage ao silêncio, à confissão do não pendor para escrita poética. O palpável deve ser socorrido, o salário, a guerra, o sexo, e deve ser mais bem elucidado, pois o é possível; já o desejo de tocar os corações deve continuar pairando invisível e ninguém deve tornar trazê-lo ao chão. Vivo agora a idade da conformação. Isso, ou o impulso da inspiração vai esfriando, mas a vontade do poema não morre.
   Descubro finalmente o porquê das paixões e dos trabalhos. Vencida a vida e no seu próprio fim, resulta inútil o preocupar-se com aparências por não o mais poder, também o dar vazão completa ao que se sente. Não sei a razão de só agora ter percebido o quão pouco foi-me sempre o tempo. Da fugaz beleza moça às primeiras zangas do ofício, preservei um só costume, o qual foi meu refúgio em tempos escuros e a própria liberdade enquanto descansava: a poesia. Atualmente, para as fugas repentinas da memória receito-me a leitura completa dos meus cadernos, transpassando a vida de um personagem que tanto se assemelha a mim quanto à identidade que busquei .

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Há algum tempo sem perceber
o mundo deles tomou rumo diferente
como fosse calculado, alguém que tudo vê
agendou tristeza no cotidiano dessa gente
e porque?
Cômodos e eletrônicos têm uso exclusivo
alguém estuda no quarto, alguém na sala vê tv
procuram respostas nos livros
quando do outro bastava querer saber.
Em cada lugar, cada um; e cada um, uma ilha
Logo, nunca mais voltam a ser
o que se chamava família.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O maior mistério do poema

De palmas vazias 
alguns homens aguardam a comida,
o dinheiro, o aceno em resposta
mas há sempre dentre as palmas
mãos apressadas que não esperam
conduzem as letras e as dão aos homens
de vistas vazias
que primeiro se ofuscam e se doem
querem se fechar para não ver
mas há sempre dentre as vistas
olhos curiosos a permitir
que as letras conquistem os homens
de corações vazios
homens 
de corações sozinhos
homens, só homens
que sempre esperam
com as palmas, com as vistas
e de coração.

sábado, 10 de setembro de 2011

Transbordar

Como as janelas estão abertas, 
resta ao homem desfazer-se da cortina
e seu aceno tranquilo anuncia que é feliz. 
Então, pela manhã, a rua logo o entende,
retruca com vento nas folhas,
que balançam novas sombras sobre a janela.
Há certa luz percorrendo as pessoas
embrenhando-se nelas também.
Já eu, lá, distante. Receoso em interromper a total harmonia, sou breve.
O homem desce da janela e ganha outros rostos,
que concordam com seu caminhar ereto, calmo, correto.
Há certa leveza em seu tratar com a cidade,
e as árvores gigantes da calçada entendem isso.
Segue a jornada sem saber o fim,
desconhece o destino e a razão de havê-lo;
e basta, toda paz que sente é real.
A ideia de fazer parte do mundo me assalta, mas só caibo mesmo pelo contraste.

Em algum momento, tropeça,
o homem perde o passo, e a cidade não aceita.

Tenta ridiculamente voltar para todos os seus reais amores,
e vê que mãos desconhecidas os afagam.
Mira a sua voz na direção da cidade e chama pelos rostos familiares,
porém, o som das folhas nas árvores gigantes é mais alto, o tortura.
Ele fica impaciente, rói os próprios ouvidos para não escutar.
Agora, está em frente aos fechados portões, também gigantes, da cidade.
Do lado de fora, pela primeira vez, 
não faz parte da felicidade.

Quando volta o olhar para a direção contrária a da cidade,
enxerga um mundo desconhecido,
de outros, como eu, talvez-homens.
E por último, ele chora.

domingo, 28 de agosto de 2011

A porta, o arquipélago

Trava. Destrava a tranca, tranca logo depois. Trava a tranca,
o trinco fica aberto mesmo. O trinco não fecha, pois senão não abre.
Fecha a trinca que alguém entra quando fica aberta, o trinco não! 
O trinco ninguém abre, por isso ninguém fecha, mas fecha a trinca que alguém entra.
Fechado feito fecho. Eu não fecho porque estou dentro mas você fecha quando for,
trinca e fecho estão travados pois ainda estamos trancafiados aqui.
O trinco destravava quando se fechava. O trinco agora travou, 
e ninguém tranca quando sai, apenas fecha. Mas quando tranca, 
fecha o trinco e aí ninguém,
ninguém abre a porta.

Hoje sei que não sou ilha. Toda atitude altruísta é válida, é única, só existe
Eu seria mais de mim sem outros tantos? Não
posso responder a mil perguntas, mas todas são respostas a alguém.
O outro, inimigo ou pedra ou gente, vive por mim também
então nunca mais o nego. Sou por você, meu outro ser.
Faço sempre por você, mato por você, e machuco os outros
por eles e por você. Não sou: só reflito pele, músculos, pelos.
Meus pés, e os seus, os deles, estão molhados, pois nos movemos juntos.
Tenho terra para plantar, muita comida é para você: Outro.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Um dos três

1.

o tempo é como vinho
leva tempo até poder desfrutar
já a poesia é como água
nasce assim de todo lugar
mas alguém ainda faz o milagre
de poesia fazer tempo virar

2.  

outro dia caiu um homem do meu lado
na calçada e de cabeça
tinha pulado do prédio para desestressar
que pessoal indelicado
inventam sempre uma modinha
e ninguém nem para me contar

fui pesquisar e descobri que até faz bem à saúde
se chama suicídio ocupacional
e já usam na medicina

por isso agora
para fugir do tédio
uso sempre aquele prédio alí na esquina

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Urbanismo

Estou correndo velozmente até que me param
Uma mão acena do outro lado
A rua me nega passagem, mas sigo
Viro a esquina e já não há vaga
E quero comer, pedir depressa
Estaciono e faço parte do mar de gente
Que não é gentil, eles também comeram depressa
Dentro de prédios não se sabe para quem trabalhamos
As horas são passadas a força
Denovo pela rua, não existe horizonte na cidade
Compro remédios para o estômago
Pessoas nunca gostam de ler livros grossos
Dou moeda ao malabarista, uma grande
A moto do menino cai pela canaleta
Acelero em todas as vinte e quatro horas do dia
Calculo o tempo de viagem até lhe encontrar:
- Não, você não acenou para mim. Eu teria visto.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Um curta em plano-sequência

O clássico homem observa o mar e vai contornando a orla a fim de despistar suas lembranças até chegar a casa onde lava os pés de areia para não sujar o reluzente chão que o bebê usa para engatinhar em busca de sua única e necessária mamadeira resfriada pela mãe com duas gotas sobre o pulso magro esquerdo e maqueado tanto para esconder os cortes de sua ilusão contínua e diária como para revelar sua beleza esguia no espelho que reflete o clássico homem chegar ao quarto com a sua testa franzida sem motivos óbvios e com os pés ainda molhados marcando o carpete usado pelo bebê que busca seu alimento nos dois peitos sempre bem guardados e vestidos com as modernas peças de sua mãe já produzida e fumando seu cigarro para não transparecer sua frágil e permanente felicidade junto ao clássico homem que no mesmo instante sai do banho arrumado em seu semblante esfíngico e desce em direção a porta pela qual acabara de chegar deixando órfão o bebê que continuará buscando a comida da mãe que o clássico homem não alimenta.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Guerra ou não

Que tem um homem para falar da guerra que viveu, se não a dor que sente ao olhar para trás?
Pela cidade onde vivia andava devagar disperso, sem nada lhe fazer cansar
mirando sempre ao longe para entender o todo, seu rosto disposto
diante à praça emocionava pelo violão chorado o ouvido atento de qualquer passante
vida que seguia parecia distante porque o tempo devagar andava antes
e fez tudo para o amor durar e emoldurar a foto sua de casamento
sua mulher e seus três filhos tão meninos mal sabiam o destinto seu, quanto ao pai
que desconhecia xingamentos, quando ouviu logo logo se arrependeu
Mas sem compreender matar chamado fora a guerrear, e pela mão do comandante
aprendeu que para viver se corre, se não morre e se perde o coração
então, ao treinamento deu-se inteiro pois no mesmo mês fevereiro já havia começado
passando os anos e sem retorno à casa a dor dificilmente passa, do amor fica a lembrança
de não mais poder voltar, foi aí que entregou-se ao seu destino chamou Deus de cretino
foi na frente da defesa mirou só na cabeça e ninguém pôde lhe deter
O peito, agora, não suporta mais o peso desse remorso que invade a alma e atordoa, é triste
quando está a toa é impossível não lembrar, mas a chorar resiste por saber ainda cantar
sua voz hoje em dia é rouca, a poesia é pouca comparada aos tempos de outrora
morreu além da melodia, quem sempre lhe aguardou à mesa para jantar, sua família
punha a mesa todo dia e esperava da guerra voltar o pai que não vinha.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Quem sabe

Um homem que nada sabe,
vive sem usar por que,
vive sem nem nunca temer,
livre e sem saber pra que


por não saber da morte, vive ainda qual menino
por jamais saber da sorte, aposta a vida em seu destino
de crescer e ser tão forte, feito caboclo nordestino.


Um homem que nada sabe,
vive sem porque lutar,
vive bem, no seu lugar,
livre, mesmo ao Deus dará


pode até ser caçoado, por seu não conhecimento
pode até viver ilhado, feito nós: apartamento
e mesmo desavisado, vencerá sem ter tormento.


O homem que assim o é,
que nada soube porque quis,
dos homens não sabe também que é
o peito vivo mais feliz.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Uma mulher com uma dor

A mulher é bicho, se debate como fosse para o abate
faz todos ouvirem seu grito, choro, canto, prende as unhas
quer mesmo é ver sangrar as dores muitas
Mulher é desespero, soca as paredes do corpo para fugir
do ser, da carne grossa, pele fina. Mulher que foge é heroína
quando não, sente-se qualquer com olhar triste sorriso enorme
que para se libertar da sombra que carrega apenas corre
Contra todos ela rema, mergulha e nada, só para poder voar
e se sentir parte inerente ao vento, à pipa
é 'inda capaz de negar sua beleza, pelo ouvinte mais atento
Pois a dor de uma mulher é sua coisa mais bonita

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O orgulho-sertão

Augusto é de lá do Sertão das Dores.
Quando menino tropeiro da Fazenda levava as mulas para beber do rio. Era hora então de assoviar passarinho e chupar cana até não dar. Do alto da pedra vê de um lado a mulada do outro alçapão. Mais tarde às Terras Roxas do seu Tonico, seu quinhão era só meia água e dois pães duros.    A mãe espera da ribeira o filho menor que volta da labuta. A casa era sempre cheia de irmãos, uns que já apareciam grandes.

Augusto é lá do Sertão das Dores.
Depois que ganhou braço tratava do cultivo. Tinha faz-sombra de palha que punha na cabeça e que não o deixava ver nem metade do nasce e morre do sol, o qual sabia que vinha e ia todos os dias da plantação. A enxada estava calejada das suas mãos, e seu pé de sua enxada. Foi abrir a terra, foi botar semente, foi quem regava as plantas e já era da colheita.    A mãe espera da margem o filho mais velho que volta da planície. A recompensa do trabalho era maior mas menor que a família.

Augusto é do Sertão das Dores.
Fora prometido aumento do ganho se colhesse mais que um ano num só mês. Mas as nuvens foram egoísmo de tamanho inconfundível. Das alturas só a secura quem desceu à terra-pedra, que dar-se-ava nela nada. O patrão foi para capital levando o povo da Casa, deixando nem o padre para salvar do coisa ruim, deixando-lhe nem esperança para ver chegar a chuva.    A mãe espera do céu, o filho que não quer voltar.

Augusto é o Sertão das Dores.
E a borrasca que vem depois da seca inunda a região e a faz torrente. Vai levando o alçapão junto à enxada, levando as mulas que pastavam a plantação. Leva a sua casa e a Casa do homem-bom também. Do alpendre canta o passarinho um assovio qualquer de triste, e o filho agora espera do alto da pedra que a água não leva.

terça-feira, 31 de maio de 2011

A prole do soldado

estou aqui não vê                            pois eu que ainda acredito            dispara quando só tiver certeza
pois se sim porque disfarça           na redenção do excomungado                 e com inimigo sob a mira
então seu dengo o faz por graça         sendo pela fé que grito                       puxe o gatilho com frieza
ou agradece a quem lhe dê?           e por meu santinho lascado               para que não lhe apenas fira


uma desgraçada guerra                  venho lhe convercer contrário                  depois fuja à densa mata
pra travar durante os dias              dessa sua tão grande tormenta                 reze por perdões alheios
esquecendo da miséria                       e do ódio que alimenta                       não me acuse de bravata
e desapego a rebeldias                      a cada dia do calendário             que alguém lhe cobre os seios


que lhe mataram o pai já sei                    hereditariedade                         reafirmo os ideais da dança
e que vingá-lo disse "hei!"                   que do nome se supõe                    da nossa vida urbana e tola
será rancor o que apetece                 se o pai teve tal bondade                  de viver cedo e morrer à toa
e nada mais o esmorece?                  filho seu também dispõe?            obcecados pelo som vingança


faça sim porque lhe cansa           por fim já disse eu o que queria                     a despedida chegou já
ver toda sua esperança                    o horizonte já me aponta                                tudo dito aqui está
ser apagada pelo tempo         seguindo o mar também me encontra         que seja leve então seu fardo
sol chuva e firmamento                     quem lá disser que cria                        adeus à prole do soldado

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Universo cíclico

     Lá, os objetos caem apenas por possuírem peso e já não valem mais que seu espatifar. Dos cacos remonta-se o ideal e do topo de uma pilha destes é possível observar o quão longe se está dos antigos altares. As venerações de um passado próximo dão vez às certezas e as indagações são tolices contestadas. Quem habita o novo lugar são os sonhos humanos, os quais também não valem mais que estilhaços, que ímpeto, ou que moral. Aliás, a perda dos valores foi um pré-requisito a todos os viajantes, bagagem desnecessária. Aqueles muito vividos percebem, logo de início, ser o momento de pisar no freio ou seguir consumindo os próprios males.
     Há quem prefira tirar as almofadas para que não se desfaça o contato com a realidade. A opção de ficar coberto, esperando o fim do temporal, foi supressa depois do primeiro acidente. Porém, a incredulidade fez refém seus criadores, que agora torcem por um despertar coletivo sem nada poder fazer. É incrível que já passem dos milhares de usuários e tal utopia siga inabalada. Parece caótica sua desenvoltura performática, que mesmo obedecendo à lógica, se ramifica e bifurca. Com o passar do tempo exige mais esforço individual, mais concentração para manter os mesmos resultados, torna-se árduo prosseguir. Os desfrutes vão rareando, a fonte seca.
     No primeiro fraquejar ocorre o desmonte: cacos e peças misturam-se derrubando o prisma do orgulho social. Faz chorar seus idealizadores. Então, a maior obra que ergueu o homem cai. Sem a possibilidade do exílio, retornam os mitos, os valores e as crenças. Os sonhos, tão seguros que são de si, tomam de volta seus ideais e anunciam-se como os salvadores. Humanos que são, servem apenas de bússola aos pioneiros que recomeçam a busca da liberdade que acabaram de rejeitar.

sábado, 7 de maio de 2011

Vai para o varal

Por ser o herói quem seu povo liberta
Quem sara a cicatriz ainda aberta no peito
E o vazio geral com esperança completa
Merece tanto quanto respaldo respeito
Pois que seu passado infortúnio garante
Gerar animosidade fundando um levante
Não quererá eternizar-se de tal feito
Ou ainda de maior qualquer descoberta
Sabendo sempre ser do povo o jeito
E a responsabilidade já aqui inquieta

Se conscientes contudo não agem
Se aceitação e pão levam a conformar
É que surge daí tamanha coragem
De um herói saber exigir seu lugar
Porém só embasado da total certeza
Porá palavras e não rifles à mesa
Gente cansada esperou nem estiagem
Saiu ainda chovendo para labutar
Agora reunida quer sem camuflagem
Ser reconhecida lá do posto que ocupará

À quem duvide minha plena sanidade
Da qual faço gosto até o dia que for pro céu
Lamento apenas vossa incapacidade
De compreender um verdadeiro cordel

terça-feira, 26 de abril de 2011

Vasto léxico de olho

O olho foi seco e viu de um tudo pela estrada. 
   Observou a paisagem, mirou o painel, tomou nota do clima e tempo; fitou de soslaio o espelho, assistiu as pessoas que cruzou, avistou lágrimas nas pessoas mas desconsiderou qualquer maior envolvimento. E como um ininterrupto operário-máquina prosseguiu, desprovido de descanso, alternando piscadelas e vistas grossas. Embaçou-se e foi dormir. Perdia sempre sua utilidade na falta de luz, perdia sempre para luz na utilidade.
   Descrevendo sempre por completo cada quadro da sequência, atualizava instante a instante o perfil de objetos e seus meios-tons, a textura e temperatura. Não escapando nem tristeza de palhaço ou felicidade de poeta.  Como fosse laser de três dimensões, ao apontar para minha volta recobriu as reentrâncias com presença de gente. E como um filme à meia-luz, era delicado suficiente para nunca exagerar, era exato no relato. Dependendo apenas de si o erro não teria margem.
   Despossuía zoom, porém detinha definição e realce poderosos, tão, que distinguiu a nostalgia do romântico. A tela onde desenhava seus recortes e colagens era o dia-a-dia; filtrava-o de acordo com as condições de luz: claro, pretenção e escuro, tendência. Foi pré-análise de muitos beijos, e goteira de tantos outros adeus. E como foi de se esperar representou obras magníficas, que, talvez se fosse arquivo, as perpetuaria, pois não sendo, foi efêmero.
   Inibiu-se diante às cores sólidas e também as ruídas demais. Isso, terrível que era, era como microscópio para achar planeta, subjugamento de seu potencial. Só podia ver inverso, e por isso, vez ou outra, eu distraía-me. Não adiantou colírio, lentes ou esfregada: quando cegou, cegou. Assim, nem retina, íris, córnea; pupila, cristalino e mácula foram tão findados em toda uma vida.
   Não importou a lente convergente, multifocal ou progressiva, foi clara a divergência entre fitar e enxergar.
   E também não importou mudar o foco para perto ou para longe, tornaria todas as vezes ao panorama. 

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O sufoco

Apelo ao meu pulmão para que berre o maior pedido de socorro. Suplico ao silêncio que me dê forças suficientes para chegar ao próximo grito. Imploro diariamente, não que me ouçam, mas que haja outra voz. E há, sinto a vibração chegando. Posso sentir aqui das paredes de onde me aprisionam; também da lama que me prende os tornozelos; sinto que há alguém sufocado.
Que meus carcereiros não me repreendam ainda. Meus pedidos serão apenas intervalos entre as acomodações do cotidiano: serão espaçados instantes de liberdade. Sem mais implicações na nossa engenhosa estrutura de relacionamento humano. Apesar de querer estar enganado, não vejo porque dos conservadores temerem. Cuidam muito bem do cativeiro, sem que ocorra uma ruptura sequer.
Anda coração, chora! Soluça devagar em meio as suas lágrimas, mas me conta seu desespero, me narra sua tragédia, me explica a força que têm os seus medos. Intera-me da sua necessidade de fugir daqui, e, então, iremos juntos ao que é verdadeiro.
Fico em dúvida, há outra voz ou só ouço ecos de mim? Tem de haver, pois o que digo é puro. Tem de ser alguém lançando suplícios ao vento, pois se não, porque tenho os braços prontos para agarrá-los; e respondê-los. Preciso que haja alguém vivo aqui dentro e que me ajude a pedir resgate desse domínio sórdido. 
É preciso haver no mínimo uma outra garganta. Pois já não tenho força para chamar. Minha energia se deteriora ao ver a politização do sentimento, ao ver a complacência com que assistem ao horror, e a rebeldia, tão aclamada outrora, servindo-se de jantar ao predador.
É preciso, eu preciso

sexta-feira, 8 de abril de 2011

O sol, a praia, deixou só

O vento bateu foi para gente se secar!

As aves que voam só cumprem seu papel
Cabelo, chinelo e o protetor solar
O amor que sinto, só não faz falta para quem tem
Solidão é nossa amiga 
bateu no peito e agora fica

A onda desmancha areia e traz anzol
Penteia e calça para não se queimar
Verão, bem-vindo à tristeza de minha inspiração
Mas faça um batuque na mesa
que eu não esqueço a beleza
de compor um simples samba tropical

Podendo eu voltar no tempo
Careca, descalço e negão
Um naufrágio já é audiência
Pescador que perdeu a licença
assiste passivo a televisão