terça-feira, 19 de outubro de 2010

Certo dia o ouvi

- Olha flor, antes de tirar-te o chão quero dizer uma verdade ou outra. Saibas que daqui do jardim tua beleza não é a que mais desperta o interesse dos outros; tens o cheiro um tanto enjoativo, daqueles que basta sentir uma vez pra querê-lo cada vez mais longe; tuas pétalas estão manchadas em preto; e além de teu vermelho estar sujo feito terra, tu só tens um espinho bem pequeno. Como pode, uma flor só ter um espinho? [...] Quero também dizer, oh tua flor, que na tua idade deverias estar radiante como a luz que atravessa as nuvens; deverias ser a mais procurada da região, e quando encontrada: Deverias esgueirar-te e seduzir a quem quer que fosse; deverias, tua pequena murcha, nesta mesma idade, ser disputada por todos os insetos e proliferar-te pelos campos mais diversos, fazendo um mundo de seus descendentes. Porém, ficas aí. Como esperas que alguém te queira assim? [...] E mais um posto: Venho me perguntando o motivo de estares tão sozinha nesse canto do jardim. Pareces uma planta repulsiva, a qual nenhuma outra se atreve nascer por perto. Serás tão egoísta a ponto de não dividires os minerais? Transmites uma solidão que nem sei explicar: Todos do outro lado estão comemorando, polinizando, respirando; e tu estás aqui debaixo desta árvore que nem se importa contigo. Achas mesmo que no mundo haja um que te queira? [...] Pois bem rosa, vou dizer-te de uma vez o que quero. Sabes bem e mais que ninguém, que ao dar-te, estarás morta; ao puxar-te do chão será seu fim e não mais voltarás a florecer, serás já sem vida neste instante. E por não ser meu intuito dizer que meu amor começará morto como a rosa dada, que será inevitável, assim como tu secares e murchares, que ele se esvaia depois de um tempo, peço então para ti, oh flor: Faça-te imponente, enfrente-me a tal altura e não te rendas enquanto ainda tiveres vida. Atinja-me, pequena planta, com seu espinho único; e faça do meu gesto uma vitória épica para que me tenham, um dia, gosto.


   E sem esperar pela resposta cortou-lhe o caule de uma só vez. Tocou a campainha e então eu pude ver o rosto da voz. Ele a entregou-me, mas eu não o quis. Fechei a porta, e sentada junto a ela, ninei a rosa em meus braços.