quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Confissão de uma péssima testemunha

Não era um olhar cativante, indecifrável ou de pura beleza; eram Olhos aqueles olhos.

   Nunca entendi como dizem que olhares podem dizer tanto - e agora duvido que olhares possam, até mesmo, chegar a se expressar - pois diante dos dois olhos que encontrei não acredito mais na comunicação humana.
   Me distraem as pessoas com seus destinos e seus modos diferentes de andar, me distrai tanta coisa pelo caminho que faço para casa, que vou esquecendo as cores e relevos, mas tento não esquecer daqueles olhos. Por isso escrevo descrevendo o que vivi, por isso não me aguento sentir emoção tão grande sozinho, por isso me atrevo mesmo sabendo que fazem poucos minutos e já sinto que não se poderá mais, na vida, reescrevê-los.
   Me distraiu o tempo que fiquei inerte ao sair da exposição - aberta à qualquer um e deserta de qualquer outro - e não conseguia me lembrar de minutos anteriores. Lá vi quadros e rabiscos nas paredes, colagens e texturas, mas me intrigaram mesmo desenhos de um João Maria; talvez, pela crítica social embutida numa caricatura da cidade. Parado e como sempre um pouco distante dos desenhos (ou pinturas, não conheço sequer isso de Arte) observava as imagens de pessoas gigantes e carros anões, estes nas calçadas e aquelas no meio da rua. De um dos desenhos mal lembro o nome.
   Me distraem compromissos e as sujeiras ribeirinhas, me distrai tudo; e tudo não quer que eu lhe conte de tais olhos. Olhos que pertenciam à uma morena, mas dela também já esqueci para dedicar-me a recuperá-los. O quadro tinha nem quarenta por quarenta centímetros, a tela era um papel rasgado de um desenho maior. Porém os Olhos mediam mais; tais, mediam não-sei-quanto. Tentei pôr todas as sabedorias que tenho empilhadas, mas eles mediam mais: Mal cabiam na exposição, quiçá no quadro.
   E me distraí outra vez por pensar que dos meus olhos viria choro - não veio. Os Olhos, que com os meus vi, eram a prova viva do que me diziam; eles me contavam algo e em seguida explicavam com detalhes os argumentos dos quais eu já nem me lembro, pois me distraem os próprios olhos. Imaginei, do artista, uma certa petulância ao expor olhos, assim, sem aviso prévio. Quis reclamar. Olhos me fizeram esmorecer a revolta.
   Vão fugindo da minha lembrança porque agora já faz horas que os vi. Talvez, um pouco mais e até esqueça deles. Sempre me distraio quando escrevo, de modo que findo por esquecê-los, quando justamente faço isso pra eternizá-los.

   E que agora, sem mais tardar, me acusem da miséria humana, de haver no mundo poluição tamanha ou da efemeridade dos sentimentos; e que me denunciem de tudo isso, mas sem esquecer de acrescentar uma última culpa: O crime de não contar a cada um que vive, como eram esclarecedores, sinceros, solidários e usurpadores, aqueles olhos. A tal ponto que roubaram de mim qualquer melhor descrição, roubaram todos os seus detalhes de minha lembrança, e também as minhas forças, que sem elas já nem me aguento vivo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

E finalmente, amar deveria ser coisa toda

     Contar a alguém, durante a madrugada, o amor que se sente deveria ser o amor na mais pura essência; e no mais puro aroma. Contar ao mesmo alguém que o amor só vale quando é amado, porque não basta ser dito, é dizer a ele que amor demais está sendo feito; amor demais, que não existe, pois amor sendo essência está sempre na medida exata: não transborda.
     Não transborda, mas também não cabe; corpo humano é tão pequeno pro amor na mais pura essência. Corpo humano cabe nem mais que um trezentos quilos, amor sendo toneladas, estoura corpo humano e o deixa em pedaços quando teimam em pô-lo num só peito de homem; Corpo humano, dessa maneira, cabe não mais que um amor. Cabe não mais que um amor, pois um amor precisa de dois corpos; corpo humano é feito então pra caber meio amor.
     Meio amor é o meu amor. A metade outra é sua. Amor que quis por num só peito meu de homem, era pra que um dia pudesse dar a alguém; mal sabia eu que nunca pode-se pôr amor em peito de um só. Mas tive sorte de aparecer um corpo humano outro a se juntar ao meu.
     Considerando o contrário do sim o não e o do não o sim, amor só pode ser talvez. Talvez de tão contrário a si, só possa ser o mesmo amor. Assim, o peito meu estala de amor; assim também, o peito meu quer mais amor pra ser estalado. Quando corpo humano explode de amor, só ele sabe o que sentiu, e apesar de tal explosão ficar marcada no corpo, o amor ninguém saberá que foi. E nunca corpo humano sentirá o mesmo amor.
     Tal amor a qual me refiro, dá-me uma beleza branca, não sei nem se sabe o que me causa; mas tal amor é o da mais pura essência - igual só há dentro a um templo maia - e quero mais. E, um dia, será ela a culpada quando meu corpo humano explodir e, estalado, espalhado e jazido, me encontrarem. Mas a culpa que ela terá será só digna de contemplação; será culpada de amar sem fim. E se julgada responsável por explodir peito de homem com tanto amor, condenada estará a fazer do mesmo homem o mais feliz da espécie.

*
      A tempestade relampeja e com seus fechos de luz, que me acordam na noite, faz aumentar a tensão que é escutar seus rugidos. Mas tempestade não assusta; tempestade não derruba amor.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

LXIX

A noite era clara; fiquei cerca de uma hora, entre o mar e a sua casa. Você aposto que nem sonhava comigo. Entretanto, eu quase que ouvia a sua respiração. [...] O mar batia com força, é verdade, mas o meu coração não batia menos rijamente; — com esta diferença que o mar é estúpido, bate sem saber por que, e o meu coração sabe que batia por você.

[adaptação]

Carlos Maria

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Da sobremesa, a raspa da lata

Pude ver no decorrer dos planos que o melhor plano não há
e ver também, em cada um, a realização
Posso ver que dos sonhos nascem frustrações ao seu fim
porém o seu durante é o que não se encontra em nenhum lugar

Se de cada plano seguiu-se uma viagem, viagem todas foram boas
e melhores foram quanto mais duraram - pois não há forma outra de calcular

Valor dos sonhos. Qual maior? engana-se quem calcula
sonho é tudo; e sonhe tudo
Se achar, que da vontade de comer, o melhor for a comida
perderá o encanto que o aroma roubado da panela lhe dá
Posso assim ver então os caminhos da vida, caminhos apenas; não há partida
são como vontades de comer; coma-os e não mais os terá

Pode deduzir uma viagem se houver destino

Pude deduzir que meu destino era a viagem
e nela me encontro agora; na viagem da minha vida
Há quem acorde no meio da noite de um sonho perfeito
acordo de cada sonho com uma noite perfeita a me olhar

Poderá amar e esperar ser amado; ou como eu: amar e esperar amar
assim, amor é emprestado - dado quando quer ser devolvido
Isso é mania do destino, sempre a nos entregar algum coração ao fim das contas
mania minha é entregar coração a quem me tem agora
Pude esperar de quem me deu a mão, que me desse logo a outra
mas antes do encontro dei os braços e as pernas, coração, alma e canela

Posso do tempo nada esperar, já que a ele ando nada devendo
pois se vier, logo e de repente, me levar... pelo mundo terei ficado
Faço parte do mundo porque sempre o quis pra mim; do mesmo jeito:
fará parte do futuro pois sempre o quis perto de ti
Poderá também, a qualquer momento, ver a viagem maior que a chegada
e se reconher que o caminho já é bonito por si só: será então só alegria!



Tas a ver a linha do horizonte?
A levitar, a evitar que o céu se desmonte

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

É bobagem não aceitar

Bobagem a força que fazemos quando queremos ter uma ilusão
futuro é ilusão; quando chega nem fazemos força para ver que nunca houve
Ficar para sempre aqui ou ali, mas pra sempre. Ficar, só ficar já deve ser
bobagem é, sem abrir a mente e a lente, viajar o mundo
Bobagem ser humano e não tentar de tudo
não perguntar ao mudo se ele disse ao surdo
que o amor se encontra no aroma de cada bobagem.

Bobagem a tal chance única, de ter na vida um só encontro
pessoa certa para uma vida, pessoa que não dará a despedida
Bobagem nossa achar o amor um milagreiro: engenhoso artesão
que transforma lágrima em sorriso; a princesa numa rã
Bobagem que digam não as oportunidades.
Escolha feita não tem volta, mas... bobagem! tem desculpas.


Bobagem não ser de todo mundo, e pertencer a só um
deve mesmo ser bobagem viver sem se entregar à alguém
Bobagem a solidão que nos envolve, e complica o mundo
Bobagem uma canção que diga tudo
E ter pra não usar, bobagem: sair pra não jantar.

Bobagem mais que tudo é ser eterno
para um dia não ter vontade de fazer bobagens
Bobagem maior que o eterno
é não perdoar e depois sentir saudade!