sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Monólogo sem falas ou Monólogo do não amor

   Acho que não deve ser de preocupar, logo passa, e se não passa, eu cuido até melhorar; e se não passa, o tempo passa e o leva, seja ele o que for. Não dizem?, "o tempo leva tudo". Mesmo assim tenho dúvidas, pois o tempo passa e ele permanece, come e engorda; mesmo assim tenho dúvidas, que agora são menores: agora as dúvidas são sobre o que ele quer; sobre o que ele quer tirar de mim, o que quer dar para mim. O tempo vai passando e ele ainda não foi.

     Acho também que ele é forte, veio forte e me derrubou. Assustado, vi que depois me deu a mão e me levantou; assustado, dei a mão e ele me jogou mais forte ainda para o outro canto. E depois do susto o coração não parou de bater acelerado, é como que tem alguma coisa prolongando o meu estado de adrenalina; prolongando a adrenalina que não me acelera, mas, sim, a que me deixa calmo para perceber o que tenho feito, que o tenho ignorado. E ele, tão próprio de si, me ensina a cada dia que ele é só um nome que dou para o que sinto. Ele é só o que tenho para tentar dizer:  - sim!, para aproveitar, para ver sair de mim a todo instante; o que sai de mim a todo instante é alguém que tem de saber entendê-lo. Mas não pode sozinho.

    E esse alguém sou eu. Sou o que saio de mim, para tentar explicar-me a mim mesmo esse instável que não passa; esse instável que não passa. E tento. E fico remoendo. E fico desenhando suas estruturas, suas ruas e prédios, suas paradas e esquinas; e as suas emboscadas me emboscam toda vez que ele aparece: alí. De pé e penteado. Com a audácia que só ele pode ter, vem correndo de braços abertos, e sorrindo com os maiores dentes do mundo: vem me dizer que não é o amor!           E diz de novo que não é amor!
                       Paro. Fecho os olhos. Como assim não é o amor? Pois se não é, o que é? 

   Não adianta que ele corre. Ele sempre tem saída, e nunca me responde. O tempo já vai passar novamente, já não vai levá-lo. E ele já vai me jogar de um lado para o outro, de uma esquina para outra, me arremessar pelas vielas. Vai engordar, ficar pesado e ficar. Seria mais fácil se fosse paixão, vergonha, ódio, amor, sentimento, ou objeto; mais fácil ainda se fosse segredo. Mas os meus olhos arregalam-se, e se o encaram é para tentar arrancar uma resposta; como não podem gritar de desespero, então choram. Mas não é segredo, e todos sabem e deveriam saber.

   - Porque teima em dizer que não é o amor, se me acorda no meio da noite e me diz nos sonhos que é maior que tudo? Por que teima em doer dentro do peito, se já me disse que não é o seu papel fazer isso? Porque não é o amor? Como não é amor, se cada vez que olho pelo buraco do peito está maior e mais firme, e crescendo e crescendo e me olha com cara feia, não quer sair. E nem quero que saia. Pois então me diga o que é.