Quando o mundo nasceu, durante a invenção do tempo, decidiu
que giraria todo dia em torno de si mesmo, na tentativa eterna de se refrescar,
pois fora condenado, por cláusula carimbada, a girar também ao redor do sol, e
isso o fazia xingar constantemente os deuses. Assim que, como sempre nos
parece, nascia culpado pela própria e única existência – e pior, já julgado e condenado.
Dentro desse mundo, que, apesar do astronauta e do horóscopo, se limita à
Terra, fez nascer-se ainda a vida, como forma de planta, de bicho e depois de
gente.
E esse é um texto sobre a vida no estado de gente.
As pessoas na natureza, nos abrigos, nas aldeias, nas
comunidades, nas nações, nas guerras que trouxeram as armas, nas cidades e fora
delas, abarco tudo isso na escrita porque hoje trato aqui do sonho humano. Do
sopro inundado de certezas que é o estar, e do espirro doente das dúvidas que é
o ser. É a vida que sempre nos afora o corpo, pois não nos cabe, por isso nos salta
em canto, em tosse, em sexo, em família, em extinto, a vida nos vaza para fora,
porque não a suportamos nem por um segundo. Não posso mais explicar.
Em algum momento da história, nós olhamos para o céu, inventamos
o fogo e as coisas que matam, começamos a conversar e aos poucos fomos nos
parecendo. Mas em toda a história, sem poder precisar desde quando, nós
sonhamos. Muitas vezes durante a vida, inúmeras durante a noite e infinitas
durante o sonho.
A vida se nos impôs. Pelos sonhos foi que optamos, assim
como a terra optou por girar, mesmo quando lhe imposta o sol.