quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Um pouco dos quandos, dos comos, dos sonhos


Quando o mundo nasceu, durante a invenção do tempo, decidiu que giraria todo dia em torno de si mesmo, na tentativa eterna de se refrescar, pois fora condenado, por cláusula carimbada, a girar também ao redor do sol, e isso o fazia xingar constantemente os deuses. Assim que, como sempre nos parece, nascia culpado pela própria e única existência – e pior, já julgado e condenado. Dentro desse mundo, que, apesar do astronauta e do horóscopo, se limita à Terra, fez nascer-se ainda a vida, como forma de planta, de bicho e depois de gente.
E esse é um texto sobre a vida no estado de gente.
As pessoas na natureza, nos abrigos, nas aldeias, nas comunidades, nas nações, nas guerras que trouxeram as armas, nas cidades e fora delas, abarco tudo isso na escrita porque hoje trato aqui do sonho humano. Do sopro inundado de certezas que é o estar, e do espirro doente das dúvidas que é o ser. É a vida que sempre nos afora o corpo, pois não nos cabe, por isso nos salta em canto, em tosse, em sexo, em família, em extinto, a vida nos vaza para fora, porque não a suportamos nem por um segundo. Não posso mais explicar.
Em algum momento da história, nós olhamos para o céu, inventamos o fogo e as coisas que matam, começamos a conversar e aos poucos fomos nos parecendo. Mas em toda a história, sem poder precisar desde quando, nós sonhamos. Muitas vezes durante a vida, inúmeras durante a noite e infinitas durante o sonho.
A vida se nos impôs. Pelos sonhos foi que optamos, assim como a terra optou por girar, mesmo quando lhe imposta o sol.


domingo, 23 de dezembro de 2012

Vida esquecida

     Os olhos desgovernados pelas paredes do quarto, pelos móveis, pelos sapatos, quase crentes da felicidade que lhe mostravam sobre a vida, o homem os esfregava seguidamente para não lacrimejarem e embaçarem a nova história que contava sua memória. Ele recém acordado sentia impossivelmente as lembranças da felicidade, porque as possuía, que as avivava, que nunca, quando vivesse aqueles tempos, poderia estar feliz, demais para ser. No entanto, seus olhos batidos tudo o que viam era ela e não outra coisa.
     Antes desse momento, ele insistia em dizer que não comprassem os amigos as comidas daquele país desconhecido, porque trariam problemas certamente. - Ao sabor!, contestavam os outros. - Ao banheiro, isso sim!, ele resistia. E resistia porque se lembrava de outras experiências, e se contava todo dia das suas lembranças, pensando viver das memórias que há tão pouco as tinha. Seus amigos seguiam saboreando, em espasmos de gula como se durassem anos, os mesmos anos em que o homem teve seus espasmos de vida, mas que agora encobertos, contidos. Sua memória aos poucos contou sua vida enquanto a matava.
     Nas memórias do homem, o eu das lembranças devorava o eu dos sentidos. Suas histórias sobre o passado destruíam suas experiências, e as ressignificava outra vez, e outra
. As suas recordações lhe pareciam mais com sua vida do que a própria. E ao passar do tempo as lembranças eram a única coisa que lhe satisfazia, e que fazia. A experiência do homem se tornou apenas lembrar, de viver, de comer de ouvir. Contar-se a história de seu passado o impedia de tê-lo vivido.      Por isso mantinha agora os olhos incrédulos de poder enxergar novamente, por alguma razão. E tateou como nunca as paredes, e admirou os móveis, e calçou seus sapatos de acordar. De repente, foi esquecendo as recordações, apagando as memórias, já não lembrava de nada. Por isso foi estando feliz, - Como nunca estive!, imaginou assim, porque não sabia mais de seu passado. 

Era o homem moderno. Estava cego.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Conversa

Os homens falam das mulheres
mulheres, das dores
crianças, das outras crianças pequenas
você, de você
e seus problemas
artistas, das cores e suéteres
cambojanos, das setas nas cabeças
jornais, de seus autores
idosos, das doenças que têm,
antigos amores
os homens mais fortes, das suas fraquezas
crianças das ruas, de comida
das dores que têm, mulheres e autores
os jornais, dos problemas da vida
as cabeças das pessoas, do que farão
as respostas, do sim e do não
os artistas de dinheiro, do dinheiro,
das pessoas da avenida, os jornais
das respostas, as escolhas
das pequenas lembranças, a vida
de idosos e amores, falamos eu e você
que me ouve, ou que me lê,
quando a conversa é interrompida.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Os cães

Um cão só late na noite escura e preta
porque ouviu outro cão, que late sempre
que outros cães latem, quando é noite
escura e preta, como o cão que só late
e anuncia o verso curto de cão
e reverencia o certo vulto do cão.

Nem mesmo sempre que estive a ouvir
valeu entender como quando vi,
por ser homem de vista e de ouvido,
e nunca de olfato ou conversa, e portanto
tranquilo para reconhecer minhas pernas,
minhas mãos e minhas mesmas costas,
nas marcas que fiz nas carnes do corpo,
as marcas que fiz das carnes no corpo.

Distante, as pessoas e os homens do almoço,
gritando seu dia, seu trabalho sob prédios,
nos falta entender dos remédios das dores
nos falta ostentar os excessos das cores.

Foi isso tudo que vi nas janelas e assentos que visitei
até hoje.
até hoje,

Os cães alardavam que eu voltava,
as moças gritavam que eu voltava,
as câmeras registravam que eu,
mãos me tocavam, choros choravam,
dentes faltavam pra rir que eu voltava,
os boatos confirmavam que eu,
os papéis escreviam, as cortinas abriam,
as cadeiras sentavam que eu voltava,
só meus olhos não criam que eu
voltava, tão outro, para casa.




domingo, 18 de novembro de 2012

Para o verso final não fui forte

   É no papel que melhor enxergo o que há por dentro e o que há por perto do meu coração. Se há algum perigo, escrevo aflito, quando há coragem, um pouco de verdade, salvem a inspiração. Hoje, especialmente, escrevo a perguntar: - Meu corpo, tem em mente vontade de voltar a amar? A resposta é demorada, perco tempo e é quase nada. O silêncio prevalece e me revela o meu sofrer, como se eu já não soubesse que, apesar de tanta prece, meu destino é sofrer.
   Ao papel é a quem venho, pois aprendi é a prosa a contradição desse mundo e poema o que brota para um coração sortudo. Ó! poema, tranquilo esboçar dos versos cadentes, puro amor e expressão, renitente é a prosa, pois não morre não, percorre o tempo até que escorre pelos fios dos cabelos da razão. Não quero a prosa pra viver, o poema é quem me hidrata, queria era poder esclarecer a falta de quem é que me mata da vontade de escrever. A cada ponto final que me nasce, sinto como se a inspiração se enforcasse e morresse da falta do ar que respiro, mas, perdido, o mesmo ar que suspiro foge como se sentisse a mesma falta de ar que eu sinto
   As linhas me imploram que eu as complete e justifique com clareza as incertezas do existir mas de todo lado me chegam motivos pra que eu não as disserte ou metrifique coisa nenhuma porvir. Por merecer, por cuidar, por poder enxergar que nem rima nem verso me encantam mais que o pensar dos poetas dos
poemas, dos muros, dos palcos
engrenagens pequenas no escuro dos fatos, luzes discretas que ofuscam a quem se lhe abram os olhos
e os papéis, ou páginas concretas. Ao lirismo dediquei a vida
a entender que a prosa é a morte
de tudo que achei que sabia

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Morrer de sonetos

Hoje sempre que me assassinam choro
como da primeira vez que morri
minha morte é doença da qual não melhoro
e mal já recordo os dias que sobrevivi

As encostas de meu corpo desmoronam
e a cada morte antecipo o arremate
à resfolga a vida me desapontam
o mártir e o próprio me xeque-mate

Mas os homens que me matam são quem amo
usam armas, usam lanças e as palavras violentas
quando se não ferem, mais a mim me aprisionam

E quando preso há alguém que sempre chamo
as lágrimas, aos prantos em calma desalenta
pois a morte e seu morrer já me contentam

sábado, 20 de outubro de 2012

Supus um dia em segredo que a vida devia estar enganada

Supus um dia em segredo que a vida devia estar enganada
que a repetição dos tempos nos traria aos desencontros
dos momentos instantâneos revividos na memória

A truculência desta ideia me assaltando povoou meu seio
fosse eu em despreparo ou fosse eu em inocência
e o pensamento-violência me teria desmatado
as raízes das certezas construídas sob a crença
de um homem na beleza dessa vida

Que será que ali entretinha minhas ilusões de não viver

enquanto erguia os corações às voltas com grilhões
e a liberdade é dádiva e representação do esvaecer

Eu ali me fabricava outra vez no remorso de existir

não morri inteiramente então porque pude ser poeta

Escravos da própria sorte
... de um amor que é imortal
... e só o homem aprendeu matar

domingo, 30 de setembro de 2012

Sangue de pouca tinta

Nas fundezas de um país
ou de um lugar que é bonito
tem lá muitos homens-pouco
que nos papel não se pinta
é sangue de pouca tinta
que não vale nem um escrito
nem seus feitos nem suas coisas
que é mato, grama, moita, é terra!
e ninguém preocupa: que não pode

Tem homem que vai embora,
novo, e nunca mais que volta
teima de esquecer da família
é sangue de pouca tinta
que não escreve memória, cê vê...
pra se alembrar só no retrato
que na cidade tem muito,
é mundão, e os escrito são grande

Eu num vejo o sertão é nunquinha
lá não vou mais que não quero
que não posso, que me esperam
é distante a viagem demais,
se um dia eu tiver filho que der pros escrito
vou dizer, mesmo que muito sinta:
- és sangue de pouca tinta


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Prosa média

     Assim, de repente, as pessoas perderam suas vontades.
     Não havia mais o som, nem a figura, a cor não existia. Jogaram as tintas todas nos rios, que se tornaram mar, e as fotos dos momentos vividos desbotaram. O movimento perdeu a razão, o gosto deixou de existir, deixaram de existir também os gestos, não tardou e a linguagem se foi. A luz foi indo-se embora junto dos escuros, levaram o tempo, o perdão e o silêncio. Das histórias se esqueceram, dos nomes se desprenderam, dos amores se fugiram. A liberdade já não era tão vistosa, era cara, era tanta, e ninguém quis, e morreu. E os sonhos dos meninos das pessoas acordaram, as rugas da velhice das pessoas se apagaram, as culpas dos pecados das pessoas, absolvição. Ninguém mais juntou versos. As cordas estavam esticadas e um homem as desafinou, alegou moralismo. Só existia no mundo as certezas, que eram muitas e enormes e as crianças as tomavam como sombra. O depois, o antes e o agora, na fusão da vida, se uniram no que disseram chamar saudade. E era tanta falta, tanto arrependimento, tanto remorso, tanta saudade de tudo que não há mais e de tudo que ainda poderia existir mais para frente, que os homens, naquele surto de quase morrer de saudade, se sentiram obrigados a criar.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mais livre me sinto que morte

Há sempre quem compre alguém
há sempre quem lembre do bem
pra sempre se rompe o além

vá lembre que ainda me tem
vá tente me ser alguém
contente me volte zen

Criança perdida no mato
criança advinda do parto
vi dança esquisita no mato
na frança perdi meu sapato
herança crescida no ato 
finanças de todos os lados

Doença de cão enjoado
Convença do não Seu Geraldo
Conversa de irmão premiado
Vou nessa tão são internado
Promessa de não fazer fado
Prometa a seu tão bem amado

Pintura completa instantânea
Cultura em poeta se assanha
Mistura secreta champanha
Usura afeta a campanha
tontura cagueta a montanha
textura me aperta e arranha

Da morte me sinto mais livre
Mais livre me sinto da morte
Me sinto mais morte que livre
Mais livre me sinto que morte



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Chama, Maria, chama, chama rápido, Maria, chama que ele atende, chama logo, chama mais, chama, Maria, chama com vontade, grita, grita, Maria, anda, grita logo, grita, Maria, grita que ele atende, grita, isso, grita, Maria, grita pra fora que ele escuta, grita bem alto, grita sem medo, Maria, grita, Maria, grita, grita muito, berra então de uma vez, berra, Maria, berra, Maria, berra!

Então ele foi embora de volta pro Ceará.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Discórdia

      Eram mãos atentas apostas para reação a qualquer maior movimento. O braço entrelaça o pescoço do refém apertado, é nó na garganta e impaciência. São também apressados olhares aos lados, a cima, ao homem ameaçado, ao relógio, mas não se pode nem reparar no homem o que faz e nem nas horas. Passam cães saídos de outros becos que ali vão para saber dos ruídos que ouviam se eram lixo fresco. E na verdade eram dois homens de pés juntos fazendo força, um deles com uma faca contra o peito do outro, estagnados pelo medo de matar e de morrer. Não mais se olhavam porque um deu as costas; dois homens, se imaginando nervosos pelas mãos que sentiam tocá-los, pela força que faziam e que recebiam. Um segurava o outro por trás, impondo-lhe uma faca a vista, o outro resistia à verdade. É beco escuro e som estrondo de latão derrubado, quem seria ali se não animais fazendo barulho? Os homens que tinham nas mãos do outro a própria vida: - Te mato ou cala a boca. 
      O silêncio da cidade fugia inteiro àquela viela de sacos de lixo e o tempo passava. Tanta força depois, o homem quase morto esfalecia, ameaçava cair de tonto, num desmaio de fraqueza. Mas o tranco que levava de leve da faca contra o peito o deixava sóbrio afinal. Aquilo era cena de crime, antes do crime. Parecia que o dono da faca era o único com poder de escolha, poderia matar ou não. Era a arma que lhe dava a dúvida e a resposta. No entanto, da vitima veio o apelo, me mate. Num minuto o homem esquecia da faca, da vingança, do potencial assassinato, notou a carne que também formava o homem quase bicho, aquele acuo de gente indefeso.
      A semelhança entre a fera do homem armado e o arredio de medo daquele incapaz promoveu estranhamento nos dois. De trás, o primeiro, não mais em posição de ataque, recuava incessante numa fuga momentânea de desespero, para o vácuo impróprio, de não haver nem corpo nem gente. E o antes cansado segundo homem, agora, rompia o frescurão da noite numa chama de energias, a vida e o poder lhe concedendo a mágica-triunfo do adeus, de poder partir e remoçar-se mesmo assim.

      Tudo porque as mãos tocaram-se, antebraços esbarraram-se, ombro em peito, costas em pernas, inteiro contato e o suor perpassado de algumas roupas à face com barba. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Eram sempre os mesmos homens

      Os homens sentavam-se em frente ao monumento central da praça e ocupavam as cadeiras e as mesas da calçada. Aquele café antigo, da Rua dos Comuns, não era popular senão pelos ferroviários exaustos que se amontoavam ali, mesmo só restando-lhes as forças de pensamento. Era que eles sentiam-se pouco, e logo se faziam luxo do café que tomavam, minguado, reclamado do tamanho, mas era café, num café, na praça. E eram duas ou três horas que ficavam, que durava o lanche enrolado em panos, que bateria o relógio se o tivessem no bolso de algum paletó. Arremedo de gente, dizia o garçom que ouvia lá de dentro de algum freguês: - arremedo!, e se sentia feliz, assim como os homens da ferrovia que precisavam estar na presença de outros para existir, para existirem, e sentiam-se felizes, todos ao mesmo instante.
      Um tal homem usando monóculo de fim de século, com lenço, ombreira, descendo a rua em direção a casa, num fim de tarde; então os homens entreolhavam-se a pensar que ele perdera o chapéu - paravam, calados, atentos, num suspense que precede o êxtase, gritavam: - Feito o amor, esquecida a cartola, corre, corre, Senhor, já é hora. E estapeavam-se a rir bem alto, movendo-se o corpo a todos os lados, esticando a cara para frente, procurando noutra gargalhada a mesma certeza do riso, da felicidade, do instante e daquele inteiro momento pleno. Era só o que tinham. - que escritorzinho eu sou -  Era tudo o que tinham! Era muito o que tinham! Era o mundo o que tinham! Era deles o mundo, não é mais, o deles morreu.

sábado, 11 de agosto de 2012

O texto gigante

Ah não!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O meu sonho é ser bandido

Mentira.
Meu sonho é ser indefinido
e poder carregar um milhão de bandeiras.
Mentira, meu sonho é ser eu mesmo
e vencer.
Mentira, meu sonho é perder para sempre.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Espelho

      Por um instante, o desfoque impossibilita o reconhecimento do que se percebe. O altruista vê-se dentro de um espelho: tudo, exceto a cópia. Vê-se egoísta, com raiva, impreciso. O espelho o reflete - nem tão simples, que o reflexo é impossível como réplica. Não se pode ser. Há um espelho, o homem e o reflexo, e nunca se poderá contabilizar menos que três, que seria errar, ignorar-se ou omitir a verdade daquele que habita o espelho.       
      O espelho repete, sim, contudo nem só contrário, como ainda a inovação, o inverossímil.
      Aqui, a direita, lá, a esquerda. Isso bastaria ao perceber humano que se abstivesse de notar o inconcluso estado das certezas, razão e provas. À mínima curiosidade deu-se a luz de supor que aqui se busca e lá se responde, como um experimento: aqui, a tese, o cerne experimental, a dúvida, equanto lá,  a comprovação, o confronto, o fruto, que por alguma confortância não só observamos como os tomamos verdade original.
      Quando há paz aqui, lá há guera, que imediatamente replicamos deste lado crédulos de consquista que será apenas desgraça. Percebem?
      Ainda o caos, como entidade regente do mundo, impalpável desordem de acontecimentos, obsevando-se em um espelho, cairia abismado, perplexo ou incrédulo da própria existência ao perceber-se sendo capturado em cada desordenamento e como dança coreografada reproduzido identicamente a sua frente.
    

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Fado D'onde Venho

Mirava distante teu corpo dançante, enxerguei sofrimento
Tão grave que querias pôr as duas mãos frias em teu próprio peito
Ninguém te detinha, quando em tua carinha, chorava sem jeito
Foi que vi que tu morrias
mas quem sabe não querias
era ouvir-me um momento


Descanse algum tanto de teu outro pranto, te encostes em mim
Findando o desejo daquele outro beijo, dá-me então tua mão
Que quero resposta, nem tão logo agora, cure teu coração

Só então que decidas,
tocar-te a vida,
pra cá, pouco assim


Há já mais que muitos dias,
que vivo a euforia de te reencontrar
Disseram-me que te viram,
em plenos carinhos à beira do mar
Mas mal sabem que d'onde venho
moças muito apaixonadas
estão no porto esperar

Mas mal sabem, d'onde venho
se me cativam em algum momento
já me torno prisioneiro

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sobre minha escrita poética


   Socorro!
   Que todos assim se iniciem, agora. é uma lei para que nos salvemos. Salvar a própria escrita do fantasma de quem a fez, e a todos salvar, que ainda não pediram ajuda. Socorro! outra vez. logo não poderei faze-lo, então que eu te ensine o caminho. Que pouco entendemos dos que querem dizer e que tanto supomos dos que calam. melhor seria calar, então. Pois não, não te desperto o que importa da minha poesia; o que te falta para ser melhor, tão pouco. Socorro! Para isso: um cão que chora, uma roupa perdida, um adeus sem resposta, um amanhecer. Isso importa mais, então, Socorro!
   Confie, tendo em si um perdão reservado a quem, desesperado, te confie também. Te salvarás, porque Socorro!, te salvarás porque confio. Poetas, garçons, engenheiros e crianças, se salvem ainda hoje, ou amanhã. mas se perdoem apesar de tudo. Quando não mais puderem escrever, por favor, que salvem. dificulta quando dependo de dizer Socorro!, então que digam ainda hoje o mesmo. Estendidas as mãos e maleáveis no ar, desenhando um contorno, pedindo perdão e é claro que o Socorro!
   Pedaços de sim que mal querem dizer o que são. o sim se esconde. Enquanto o não, não. Socorro! a quem diga o mesmo de mim, porém, melhor ainda: Pardon, pela poesia mal escrita. Caberia a alguém o direito de nascer, corromper do velado sonho de salvar alguém?
Socorro! por enquanto eu não peço, eu socorro.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Descuido

Rubros calcanhares,
juro que ainda lhes tenho em meus olhos
descalços e sozinhos, até os vejo na praia
carimbando a areia carente das nossas pegadas
mas aí já foi sonho, aquele do descanso,
e é ótimo que os possa perceber
Juro que ainda te tenho olhos


É de manhã e eu presumo que sim
que os possa rever e confirmar o que suportavam
silenciosos, só sabiam estalar de leve pelo chão
vento de janela em sussurro balançando lençol
tudo muita confusão, o sono, a claridade
algum som, calor, quando quase me escaparam,
Que os possa rever e junto o que suportavam


Foi um beijo a despedida e
a surpresa de me encantar com seus passos
ruídos rápidos de roupas se vestindo
e já nunca mais calores, não, nem carinhos
entregues esparsos como favores
à surpresa de me serem um encanto


A ordem está retida lá fora, sem acontecer
há distância enquanto quero proximidade, é meu caos
eu quero algo perto, mais perto de alguém que havia aqui
escurecem meus olhos fechados,
meu lar completamente escuro, sufocado
Que falta sinto eu que não lembro? 


Nomes perdidos na imensidão da noite
que a ambos enganou com palavras mal ditas
arrancos do amor, carícias que foram tropeços 
calor, novamente um calor de paixão
distorce as imagens que tentam e não se formam
é algo como estar numa praia sozinho
se derrubar na areia, e o sol um clarão aceso ofusca
o vento soprando um deserto, logo alí
nossas pegadas desenham meu lar
porém, apenas me restaram
na lembrança os rubros calcanhares.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sobre desculpas e perdão

Flor do monte cai suas pétalas
que de forte o vento também espalha os espinhos
e antes de saber das mortes
como em fantasia jaz
seu corpo retorcido é quase choro,
é perfume de desculpas


Homem tem razão se chora
quando o enganam e se por um instante
fica enraivecido quando o ferem
mas sábio amadurece o ódio
e como fruto nasce o seu perdão:
mão erguida que recolhe ao bolso


Árvore que devora a terra
alimenta o chão com seu fruto.

Onda esmigalha as pedras
mas se faz espuma que banha a areia.
Carvão nos suja os dedos
mas ainda aquece o corpo.
Sol que queima não tarda se põe em beleza.
Outono finda o verão mas encerra o calor.
Estrelas nos são imortais e ainda ofertam a luz.


Anestesia,
Educação,
Amor dos pais,
Cultura,
Justiça,
Beleza,


A culpa
é falar do medo
de morrer e deixar seus erros
pois a vida em cada passo seu
e em tudo que eu ainda não disse
é sobre desculpas e perdão

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Todo erro do regresso

Quando, em sombras farrapas, medrosos deixamos a guerra
no âmago de si não brio, não estima, mas restar-se inútil. No imo apenas o revés
partimos, cada um temeroso, erigindo na farda o estandarte: incapaz 
contrários da crescida flâmula que impôs a pátria na largada
e que agora tenta acalentar ignóbil o morrer frouxo de tantos.


Que lástima o silêncio, se o trote e a marcha enraivecia-nos, guerreiros
não há o remoçante hino de esbravejos incontidos, que ditavam a campanha,
mesmo assim, só em desaviso, diria alguém os desprimores da lamúria geral
se agora nasce de tal pranto um santo chorar, em canto que indulta as almas estorvas,
e é, ainda, antiga memória da vez que na partida choraram as mães.


Quem vista tiver, entocado ou por ventura, do espólio inimigo decifrará a fuga
pois homens lutavam, se por apego a causa, esperançosos a matar por paz
no entanto, um sentimento devorou o outro e assaltou-lhes a ideia da derrota
agora, não há bem no regresso, quando homem e cidade ao tempo passar se estranham
vil descompasso de homens que assimilam: saudade do lar que deixei, não tal.


Queria ter partido em prosa, feito bardos ter palavras e a culpa só do chorar
mais que dor, há buraco em tudo que pisei, cri sempre tolo na volta sem remorso 
então, em qual esmero traria eu a descoberta sã, de salvar nossos filhos do futuro?
nem segredo, ou ponto-fraco alheio, nem armas, ou profecias, ouro e prata não
descobri que a guerra é nunca orfã!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tempo é senão medida arbitrária

   Soluciono minha angústia, resolvido a escrever poemas. Na idade de rápido queimar a chama, uma euforia crescente se aproxima e me envolve, na prontidão de meu estro, busco em exaustiva ânsia versos a por nos cadernos como se busca o alimento da vida a por nas mesas. Desembainho a caneta apto a tratar da natureza, que em orvalhos sonolentos da manhã nos oferta sua primeira lágrima, apto a cuidar com as mais doces palavras as dores dos casais gentis que se amam, ou apto em meu ímpeto discursar interminavelmente o meu sentir quanto a beleza infinda da donzela amada, e para todos me sinto afeito. Mas sei bem, como o sabe quem ama, que a efusão traz consigo a tormenta do depois, que é a culpa do não se conter agora.
   Acalmo primeiro meu corpo, para então sossegar a alma. Apenas quando mansos, os sentimentos pontiagulham duas ou três palavras no papel. Não que me faltem os andamentos, as formas ou as regras para preencher as linhas, os sentidos é que me são poucos, na mente quase nada há de mutável, pois a semântica me coage ao silêncio, à confissão do não pendor para escrita poética. O palpável deve ser socorrido, o salário, a guerra, o sexo, e deve ser mais bem elucidado, pois o é possível; já o desejo de tocar os corações deve continuar pairando invisível e ninguém deve tornar trazê-lo ao chão. Vivo agora a idade da conformação. Isso, ou o impulso da inspiração vai esfriando, mas a vontade do poema não morre.
   Descubro finalmente o porquê das paixões e dos trabalhos. Vencida a vida e no seu próprio fim, resulta inútil o preocupar-se com aparências por não o mais poder, também o dar vazão completa ao que se sente. Não sei a razão de só agora ter percebido o quão pouco foi-me sempre o tempo. Da fugaz beleza moça às primeiras zangas do ofício, preservei um só costume, o qual foi meu refúgio em tempos escuros e a própria liberdade enquanto descansava: a poesia. Atualmente, para as fugas repentinas da memória receito-me a leitura completa dos meus cadernos, transpassando a vida de um personagem que tanto se assemelha a mim quanto à identidade que busquei .